June 5, 2021

Literatura e a questão do verdadeiro

Uma coisa que percebo nos escritores recentes que amo (Cusk, Carson, Murnane — por que não em menor capacidade Ben Lerner e Teju Cole também) é uma apreciação pela verdade ou pelo verdadeiro. Não aparece expicitamente em nenhum deles esse termo salvo na Cusk, mas me parece lá.

É algo semelhante que encontro no Sebald também (embora nele e no Murnane apareça como precisão”). Na Carson aparece como uma fidelidade ao pensamento e no Lerner e Cole sinto que vem a partir de um cuidado de mapear as coisas e as estruturas. Mas na Cusk a coisa é translúcida.

O que significa que não é uma transparência, mas uma leitura que está preocupada em justamente recuperar a verdade que resta e que não parece sempre conseguir atravessar o que se comunica (?). Talvez esteja especulando. Mas li agora um capítulo do Second Place que foi um absurdo.

June 5, 2021

A temporalidade dos comentários filosóficos

Muito difícil na filosofia diferenciar os comentários que são absolutamente contextuais, direcionados para um estado de coisas daquele momento e aqueles que dizem respeito ao momento eterno” que me parece ser o tempo em que a filosofia transcorre.

Fico pensando que alguns comentários quando lidos 100, 200, 2000 anos depois podem ganhar um outro sentido e que essa distância faz as vezes eles parecerem estúpidos quando naquele momento fazia muito sentido.

Não acho que algum tipo de comentário seja mais importante que o outro. Mas apenas pra pegar um exemplo de textos espinhosos nesse sentido: A sagrada família”. O texto ali parece operar em dois níveis, um em que a coisa ganha sentido naquele contexto e outro em que transcende.

O mais difícil é quando essa simultaneidade de tempos parecem aparecer nos mesmos comentários. Invisibiliza-se para quem é daquele momento o elemento que vai perdurar daquele texto. Enquanto pros que vem depois, o caráter contextual as vezes parece completamente sem sentido.

June 4, 2021

Mensuração institucional da filosofia

Uma hipótese que eu tenho é que história da filosofia bomba na academia pois é mais fácil de mensurar do que avaliar se um sistema filosófico é melhor que o outro. A caricatura da filosofia norte-americana também parece facilmente mensurável se for de fato circuito de refutações.

Imagina se os pareceristas, os avaliadores tivessem que fazer algo que em 2,500 a história da filosofia não desenvolveu de modo geral: conseguir comparar sistemas incompatíveis que respondem problemas diferentes com linguagens diferentes. Seria caótico e/ou arbitrário a coisa.

June 4, 2021

A composição dos objetos da moda intelectual

Gostaria de uma análise sobre as correntes teóricas que tem predominado, sobre os objetos que tem vingado e sua presença no mercado editorial. De preferência também diferenciando entre aquilo que é apenas” traduzido e aquilo que tem um marketing intenso que acompanha.

Me parece que tem três formas de inspirar objetos de pesquisa na academia (em filosofia e algumas áreas de humanas) atualmente (e que podem se misturar): 1) continuidade com grupos de pesquisa já existentes; 2) problemas e situações que trazem perguntas e 3) o mercado editorial.

A primeira me parece a mais tradicional. Ela depende, porém, de estrutura, de instituições mais ou menos firmes (e de dinheiro). Ela também corre muito risco de se tornar numa relação mestre-discípulo quando grupos de pesquisa funcionam sob a lógica do professor lobo-solitário.

A segunda acho que é o que vemos sobretudo na interseção ou com questões que surgem no meio da militância política ou na fronteira com outras disciplinas (geralmente científicas). Independente do contato, parece que são demandas que vem de algum fora.

A terceira é a mais complicada. Me parece um sintoma (desculpa @caiquecabarroz) do derretimento da academia enquanto instituição. Objetos e teorias absorvidas diretamente do mercado editorial e do que tá quente. O acadêmico acaba se tornando primariamente consumidor.

É claro que na prática as coisas se misturam. E claro que o mercado editorial é um parceiro fundamental das pesquisas. Mas parece que, infelizmente, cada vez mais as relações de interesses se invertem e o acadêmico vira um legitimador do produto. Claro, tem que pagar boleto.

E claro, o campo da teoria/filosofia/ciências humanas num é assim uma relação promíscua suficiente para ser um grandissíssimo objeto de atenção. Mas enfim, acho que é mais um tijolinho nas dificuldades que passamos.

June 3, 2021

A falta de lastro na filosofia moderna

Pensando nesse esqueminha que o Paulo Arantes monta no fio da meada e que é pra ele uma das justificativas para a filosofia no Brasil até ter se desenvolvido mas não ter como exercer suas pretensões (dizer algo sobre o mundo). Sua falta de assunto não é defeito nacional.

(História da filosofia moderna por Paulo Arantes(História da filosofia moderna por Paulo Arantes

Por outro lado, é interessante que no Brasil você conseguiu construir uma tradição de ciências sociais (tanto nas versões mais científicas como nas mais ensaísticas) que efetivamente consegue produzir totalizações inteligíveis, quadros mais ou menos inteligíveis da vida nacional.

A filosofia permanece, portanto, como um ponto fora da curva. O que eu tava matutando agora de manhã (pois tem a ver com uma aula que preciso montar pro meu curso) é se isso teria a ver com o fato de que pelo desenvolvimento histórico a filosofia não tem assunto.

Sim, a filosofia tem objetos (os sistemas discursivos de outros filósofos, geralmente, i.e., história da filosofia), mas ela não consegue dizer muito que ilumina a nossa realidade (mesmo que mal). Por outro lado, não estava dado pra mim o que nas ciências sociais dava lastro.

Lembrando desse esqueminha, e da centralidade que o paulinho dá pra explicitação do mundo do trabalho capitalista como principal operador de síntese social, fiquei pensando na expansão que o Karatani faz ao modo de enquadrar a realidade no A estrutura da história mundial”.

Basicamente o que ele diz é que o modo de troca de mercadorias é um tipo de modo de troca, mas não o único. Haveriam outros dois grandes modos, a troca de dádivas/dívidas (teorizado a partir do Mauss) e a troca de submissão/proteção (teorizada a partir de Hobbes).

Qualquer situação histórica poderia ser compreendida a partir da articulação diferente entre esses três modos de trica. A troca de dádivas (modo a), a troca de proteção (modo b) e a troca de mercadorias (modo c).

O que significa que o capitalismo não é apenas um mundo em que apenas ocorrem trocas de mercadoria. Trata-se apenas de uma certa configuração entre os modos a, b e c em que o modo c predomina. Em outros tempos a articulação seria diferente.

Um bom adendo, porém, é que se em nível mundial ocorre assim, localmente as articulações podem variar. Talvez seja possível dizer que no Brasil o Modo B (expresso pela predominância do estado) ganhe precedência sobre o modo C e o modo A. Enfim, muitas variações possíveis.

Mas por que essa volta toda? Pois acho que o lastro que se encontra nas ciências sociais, que permite elas dizerem algo sobre a realidade nacional (mesmo que mal, numa visão intergradora” demais) é que elas talvez tenham sempre como referência um (ou mais) modo(s) de troca(s).

É certo que nem sempre as CSs estão lidando com o mundo da economia, o mundo do trabalho, tal como aparece no esquema do PA. Mas se a gente dá uma ajeitadinha nele, uma karatanizada, talvez faça um pouco mais sentido a força que as CSs tem no Brasil e a fraqueza da filosofia.

Isso que eu tou dizendo acho que não apresenta nenhuma novidade. Mas de alguma forma (pelo menos pra aula que preciso pensar), talvez me ajude a ver um pouco a dimensão dos traumas específicos da filosofia institucional (e de suas frustrações) pra aula que preciso montar.

June 2, 2021

Sobre surfar em modas intelectuais

É fácil falar mal de ecletismo, de quem cola na moda. Mas gosto de imaginar que existe uma certa arte admirável de ter como única posição teórica surfar na onda. Mas acho que para se diferenciar do ecletismo a coisa precisa ser mais um procedimento do que profissão de fé.

O que significaria na prática? Que esse perseguidor das modas não teria critério para determinar qual moda ele deve se adequar pois nenhuma delas é superior a qualquer outra. Seu esforço único será de simplesmente avançar conforme a tendência, sem hesitar.

Gosto de imaginar que essa figura poderia ocupar o espaço da novidade de duas formas (e talvez esses surfistas à espreita sempre da nova onda sejam rivais). Na primeira o objetivo seria sempre ignorar completamente o passado de modo desavergonhado. Cada nova moda, novas ideias.

Não existiria um desejo de coerência, haveria apenas um esforço para conseguir transitar para o novo conjunto de conceitos sem dar o menor sinal de que se esteve em outras praias antes. Há uma espécie de serenidade de alguém que vive plenamente o momento.

A segunda figura faria a operação contrária. Seu esforço seria justamente em conseguir concatenar cada mudança de referências pela qual ela passa. Se antes ela se fixava no autor x e agora no movimento y, é preciso que ela justifique o caminho entre esses dois momentos.

Contra a descontinuidade do primeiro surfista, uma continuidade absoluta. Mas a beleza dela é que aqui também tem uma serenidade. Não há uma neurose da completude, mas a tranquilidade de quem sabe que sempre vai haver uma nova referência para ajudar ajeitar as pontas.

Só uma confiança extrema para conseguir ocupar tal grau de abertura, para não ficar afobado e querer conectar rápido demais as transições por quais se passa. Um verdadeiro mestre zen (e talvez por isso imagine este, como o outro, como surfistas, já que caricaturizo eles assim).

É por isso que eu tenho preguiça de quem apenas finge surfar na moda, de quem realmente acredita que ao atentar para o mais recente’ que se chegou finalmente (agora sim!) no reino da verdade. Isso para não mencionar quem faz para estar nos holofotes” (como se fossem grandes!).

Um verdadeiro artista da moda ou nada. Sem farsantes por favor, sem falsários, apenas alguém que consegue entender que seguir o fluxo do tempo não quer dizer absolutamente nada.


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