June 3, 2021

A falta de lastro na filosofia moderna

Pensando nesse esqueminha que o Paulo Arantes monta no fio da meada e que é pra ele uma das justificativas para a filosofia no Brasil até ter se desenvolvido mas não ter como exercer suas pretensões (dizer algo sobre o mundo). Sua falta de assunto não é defeito nacional.

(História da filosofia moderna por Paulo Arantes(História da filosofia moderna por Paulo Arantes

Por outro lado, é interessante que no Brasil você conseguiu construir uma tradição de ciências sociais (tanto nas versões mais científicas como nas mais ensaísticas) que efetivamente consegue produzir totalizações inteligíveis, quadros mais ou menos inteligíveis da vida nacional.

A filosofia permanece, portanto, como um ponto fora da curva. O que eu tava matutando agora de manhã (pois tem a ver com uma aula que preciso montar pro meu curso) é se isso teria a ver com o fato de que pelo desenvolvimento histórico a filosofia não tem assunto.

Sim, a filosofia tem objetos (os sistemas discursivos de outros filósofos, geralmente, i.e., história da filosofia), mas ela não consegue dizer muito que ilumina a nossa realidade (mesmo que mal). Por outro lado, não estava dado pra mim o que nas ciências sociais dava lastro.

Lembrando desse esqueminha, e da centralidade que o paulinho dá pra explicitação do mundo do trabalho capitalista como principal operador de síntese social, fiquei pensando na expansão que o Karatani faz ao modo de enquadrar a realidade no A estrutura da história mundial”.

Basicamente o que ele diz é que o modo de troca de mercadorias é um tipo de modo de troca, mas não o único. Haveriam outros dois grandes modos, a troca de dádivas/dívidas (teorizado a partir do Mauss) e a troca de submissão/proteção (teorizada a partir de Hobbes).

Qualquer situação histórica poderia ser compreendida a partir da articulação diferente entre esses três modos de trica. A troca de dádivas (modo a), a troca de proteção (modo b) e a troca de mercadorias (modo c).

O que significa que o capitalismo não é apenas um mundo em que apenas ocorrem trocas de mercadoria. Trata-se apenas de uma certa configuração entre os modos a, b e c em que o modo c predomina. Em outros tempos a articulação seria diferente.

Um bom adendo, porém, é que se em nível mundial ocorre assim, localmente as articulações podem variar. Talvez seja possível dizer que no Brasil o Modo B (expresso pela predominância do estado) ganhe precedência sobre o modo C e o modo A. Enfim, muitas variações possíveis.

Mas por que essa volta toda? Pois acho que o lastro que se encontra nas ciências sociais, que permite elas dizerem algo sobre a realidade nacional (mesmo que mal, numa visão intergradora” demais) é que elas talvez tenham sempre como referência um (ou mais) modo(s) de troca(s).

É certo que nem sempre as CSs estão lidando com o mundo da economia, o mundo do trabalho, tal como aparece no esquema do PA. Mas se a gente dá uma ajeitadinha nele, uma karatanizada, talvez faça um pouco mais sentido a força que as CSs tem no Brasil e a fraqueza da filosofia.

Isso que eu tou dizendo acho que não apresenta nenhuma novidade. Mas de alguma forma (pelo menos pra aula que preciso pensar), talvez me ajude a ver um pouco a dimensão dos traumas específicos da filosofia institucional (e de suas frustrações) pra aula que preciso montar.


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