June 2, 2021

Sobre surfar em modas intelectuais

É fácil falar mal de ecletismo, de quem cola na moda. Mas gosto de imaginar que existe uma certa arte admirável de ter como única posição teórica surfar na onda. Mas acho que para se diferenciar do ecletismo a coisa precisa ser mais um procedimento do que profissão de fé.

O que significaria na prática? Que esse perseguidor das modas não teria critério para determinar qual moda ele deve se adequar pois nenhuma delas é superior a qualquer outra. Seu esforço único será de simplesmente avançar conforme a tendência, sem hesitar.

Gosto de imaginar que essa figura poderia ocupar o espaço da novidade de duas formas (e talvez esses surfistas à espreita sempre da nova onda sejam rivais). Na primeira o objetivo seria sempre ignorar completamente o passado de modo desavergonhado. Cada nova moda, novas ideias.

Não existiria um desejo de coerência, haveria apenas um esforço para conseguir transitar para o novo conjunto de conceitos sem dar o menor sinal de que se esteve em outras praias antes. Há uma espécie de serenidade de alguém que vive plenamente o momento.

A segunda figura faria a operação contrária. Seu esforço seria justamente em conseguir concatenar cada mudança de referências pela qual ela passa. Se antes ela se fixava no autor x e agora no movimento y, é preciso que ela justifique o caminho entre esses dois momentos.

Contra a descontinuidade do primeiro surfista, uma continuidade absoluta. Mas a beleza dela é que aqui também tem uma serenidade. Não há uma neurose da completude, mas a tranquilidade de quem sabe que sempre vai haver uma nova referência para ajudar ajeitar as pontas.

Só uma confiança extrema para conseguir ocupar tal grau de abertura, para não ficar afobado e querer conectar rápido demais as transições por quais se passa. Um verdadeiro mestre zen (e talvez por isso imagine este, como o outro, como surfistas, já que caricaturizo eles assim).

É por isso que eu tenho preguiça de quem apenas finge surfar na moda, de quem realmente acredita que ao atentar para o mais recente’ que se chegou finalmente (agora sim!) no reino da verdade. Isso para não mencionar quem faz para estar nos holofotes” (como se fossem grandes!).

Um verdadeiro artista da moda ou nada. Sem farsantes por favor, sem falsários, apenas alguém que consegue entender que seguir o fluxo do tempo não quer dizer absolutamente nada.


Previous post
Fiscais de comorbidade e a ausência de confiança Fiscal de comorbidade é um saco. Por outro lado dá pra entender a frustração. Acho que ela é mais um sintoma de ausência de confiabilidade geral que
Next post
A falta de lastro na filosofia moderna Pensando nesse esqueminha que o Paulo Arantes monta no fio da meada e que é pra ele uma das justificativas para a filosofia no Brasil até ter se