Sobre o enunciador do discurso sobre neoliberalismo
Uma coisa que me incomoda no discurso sobre neoliberalismo de uma certa inteligentsia é como no meio de análises sistêmicas que se faz sentido acaba-se também moralizando o corre dos precarizados.
As vezes eu sinto que se esquece que “ser um empresário de si” não é uma simples imagem ou metáfora qualquer, mas tem uma referência concreta que é você precisar fazer o que tiver como fazer para conquistar alguma forma de renda num mundo com cada vez menos trabalho formal.
Claro que “monetização” de tudo é terrível. Mas me parece uma grande falta de sensibilidade ignorar que isso vem na esteira (ou junto) de um processo que deixa as pessoas sem opções (ou com poucas opções).
Ninguém quer ficar tendo que ter presença nas redes sociais, fazendo mil malabarismo para “virar entretenimento” e muito menos ter que ficar atrelando a sua “renda” (ou seja, aquilo que permite você sobreviver, comer, morar) à capacidade de manter interesse de outras pessoas.
Me parece que só uma atenção para o problema da renda (proj @irrideo) permite que se evite contrabandear para essas análises — corretas, interessantes, que inteligibilizam a realidade — um ponto de vista moral demais que respinga em quem precisa se engajar nesses corres.
A situação de um emprego estável é um mundo realmente maravilhoso. A sua renda aparece para você como algo fixo, constante e que não está atrelado à sua performance. Claro que pode ter melhorias aqui e ali, pode ter um aumento, bonus e todas essas coisas, mas não parece muito.
Se a gente pega e compara com outras funções, outros trabalhos da “viração”, você vê que ali a renda é decomposta de uma forma absolutamente angustiante. Cada ação é um potencial aumento ou queda de renda.
O salário é uma coisa linda pois justamente você desatrela a renda das suas ações. Ainda que você pode apontar suas funções, só ver como professores universitários se apoiam nessa invisibilidade das funções para desprezarem (falo anedoticamente) orientação, ensino ou extensão.
Como nada daquilo está muito claro, se torna muito mais fácil abrir mão dessas atividades que de fato fazem parte do seu trabalho. Agora imagina alguém que não tem esse salário? Cada uma dessas atividades precisa ser exercida com o máximo de atenção e cuidado.
E quando você não tem essa constância garantida por alguma fonte pagadora segura (o Estado?) o que você faz? Você ainda precisa gastar um tempo enorme tentando tornar tudo o que você faz algo que atraia fontes pagadoras.