April 7, 2022

A afinidade temática como critério de relacionamento

eu acho esse (tipo de) tweet interessante pois de fato encontro algumas pessoas em certos meios que acabam muitas vezes tomando como critério para se relacionar a capacidade da pessoa se aproximar mais ou menos do que se entende (ou aceita) como uma pessoa intelectualizada.

Ler (ou não ler) bons livros (ou ver ou não ver bons filmes, seja lá o que é bom) não me parece ser um indicativo bom pra saber se um relacionamento vai ser bom ou ruim. Claro que deve ter alguma partilha de referências, de gramática, de interesses, mas não como uma bibliografia.

Me parece uma propriedade que é dependente demais de um certo mercado de ideias” e de uma projeção do que esperam de uma pessoa. A pessoa ser culta ou não me parece um tipo de expectativa sobre o que é alguém inteligente, ligado no mundo, que tem opiniões sobre acontecimentos.

E de fato se a pessoa constrói (por alguma razão) sua personalidade em torno de ter opiniões” acho que é inevitável que seja insuportável. Embora diria que o avesso também é verdadeiro, quem foge” das opiniões de maneira anti-intelectualizada só reproduz isso na negativa.

Mas também não acho que tem muito como fugir isso. Acho que se relacionar é alguma medida compartilhar determinadas opiniões, ter certas referências que abrem espaço pra comunicação. Normal. Acho que a questão é talvez a maneira como elas vem de um cardápio já pronto.

E mesmo esse cardápio acho que não é sempre tão fácil fugir, já que (apesar dos inúmeros cardápios) eles permitem uma forma relativamente segura das pessoas poderem sair de suas inseguranças para se comunicarem, permite se escorar sem ter que se arriscar na hora de se relacionar.

Não acho que tem muito como fugir disso de maneira absoluta pois we live in a society”, mas acho que de alguma forma os incômodos com essas opções prontas (que variam de cada um) me parece uma maneira para construir parcialmente um caminho mais aberto e (diria até!) verdadeiro.

E aí nesses casos se relacionar com alguém fica até mais interessante acho, ainda que mais difícil. Menos garantias (ou uma suspeita de que nem tudo está ali naquela superfície compartilhada de um certo grupo). Pois as divergências parecem criar espaço para novidade e surpresa.

Agora, claro que isso não é algo que se dá após”. Não há a construção de um caminho autêntico que depois abre espaço para um relacionamento. Acho qeu de alguma forma as relações que construímos se dão também no mesmo momento em que nos submetemos às dinâmicas de impessoalização.

Então a gente precisa de um mínimo de referências impessoais talvez? Acho que sim, acho que se não a gente simplesmente não tem onde começar, suspeito. Um pouco de identificação não me parece um mal terrível. Sobretudo no contexto do amor em que acabamos saindo de nós mesmos.

Por isso acho que tem sempre aquele momento em que nos tocamos que alguém não é apenas aquilo que enxergávamos. Há toda uma profundidade que passamos a explorar (e que nos deslocam), mas que talvez tenha como partida uma impressão equivocada de uma superfície homogênea.

Sobre esse ponto do amor e do deslocamento felizmente já consegui sintetizar o que acho disso nesse artigo em que basicamente reproduzo o pensamento da Anne Carson: https://revistaseletronicas.pucrs.br/index.php/veritas/article/view/38535

March 31, 2022

A estrutura da amizade sob o prisma do twitter

Tem uma coisa que eu gosto do twitter é que o caráter da rede torna muito visível alguns passos na construção/início de amizades na mesma medida em que a própria rede deixa isso tudo ainda muito mais difícil pela decomposição” que permite essa visibilização.

Tornar-se amigo de alguém é pra mim (sempre foi) um problema. Acho que em parte por ser uma pessoa tímida no contato inicial (insegura em ambientes novos) eu sempre reparei bastante nesse ato esquisito em que um desconhecido se torna um conhecido e depois converte-se em amigo.

É uma coisa misteriosa difícil de entender e que acho que muito facilmente produz ressentimento quando você se vê do lado de fora dessa construção. Quando seus apelos ou demandas acabam ficando sem respostas e você invariavelmente acaba acreditando que há um problema com você.

Isso é tudo muito duro acho na vida social habitual. É bastante frustrante desejar se aproximar de alguém e ver que você não consegue. É normal então acho (mesmo que para se tranquilizar) acabar jogando esse fracasso” no outro que recusa a gente. É ele que não é aberto”.

Ainda assim, apesar disso, acho que no fim das contas os ritmos da vida social offline (que se distinguem da online por não serem tão marcadas” e preservadas” em suas etapas”, por nos aparecerem como mais fluidas” e moventes”) parecem amortizar esse tipo de experiência.

Quando a gente constrói esse tipo de relação online, ainda mais em redes sociais em que boa parte dos passos nessa construção permanecem visíveis durante todo o ato de construção (ou tentativa de construção), a coisa parece ganhar um nível de reflexividade que complica tudo.

A gente percebe rapidamente que qualquer gesto que a gente faz não apenas fica visível para os outros (se fazemos publicamente, numa timeline), como também para nós mesmos como uma espécie de lembrança dura da nossa dificuldade em se aproximar de outra pessoa.

A gente vê uma pessoa interessante, a gente passa a acompanhar suas postagens, curtir suas falas e até comentar (responder) às suas falas. Acho que é algo que em alguma medida todos acabamos fazendo de um modo ou de outro.

Até esse ponto eu acho que as coisas elas ainda estão num ponto de aquecimento. Não há nenhuma relação pois nossa postura acaba ainda sendo muito reativa. E muitas vezes a gente se satisfaz com isso. Há, acredito, uma satisfação em observar de longe.

Para mim isso é particularmente o caso ao lidar com pessoas famosas. Offline ou online, sempre tive uma resistência a me aproximar de gente famosa pelo tanto de demanda que acredito haver sobre elas. Sempre sinto como se tivesse que buscar um espaço de sua atenção e prefiro não.

Nesse caso a situação se resolve de maneira simples. A recusa da amizade não aparece como qualquer defeito meu ou da pessoa. Trata-se de uma circunstância que eu pessoalmente preferiria não testar (e tudo bem).

Nesses casos me contento com me situar nesse ponto de observação. Acho que é uma relação tão plena quanto uma amizade em que há afeto mútuo (mas se é plena é justamente, ao meu ver, por ser uma relação de um tipo diferente, e não uma relação em que se sente a falta da resposta).

A questão para mim surge pois nem sempre isso nos satisfaz como uma relação. E mesmo que vá satisfazer depois, as vezes a gente gostaria de experimentar construir outra coisa antes de ficar tranquilo com a relação à distância.

Quando a gente quer se aproximar de alguém (e as vezes esse desejo é implícito, as vezes bem explícito) o que a gente faz? A gente puxa assunto? A gente espera uma ocasião? A gente procura frequentar os mesmos ambientes? Parece tudo excessivo e tudo meio invasivo.

Ao menos para mim sempre me parece invasivo pois, como falei, sou uma pessoa bastante tímida quando me vejo em espaços em que não estou seguro sobre como lidar com os outros.

Como falei, na vida social a coisa parece que se resolve”. O fato de estarmos sempre em movimento e de maneira que nossas pegadas são mais efêmeras (e portanto esquecemos muitas vezes) acaba fazendo com que esse problema se reduza muitas vezes por acaso e sem nossa consciência.

A amizade, como o amor, parece ter essa característica do passado mítico. Quando nos demos conta, já eramos amigos, já trocávamos confidências, já nos apoiávamos um ao outro.” O momento de origem, a construção em si, parece de alguma forma nos escapar.

O problema é que nessas redes sociais tudo fica muito marcado”, memorizado”. A gente não consegue dar um passo sem que ele fique ali olhando de volta para nós. Responder um tweet, um stories, mandar uma dm. Tudo isso acaba aparecendo mais do que gostaríamos para nós mesmos.

Mesmo que a gente diga que é normal (e provavelmente a maior parte das pessoas nem pensa nisso) acho que há sempre uma pressão ou um medo de não estar dando um passo maior que a perna. É como se nossas intenções (nossa demanda, nosso desejo) estivesse gravada ali no contato.

E isso é muito ruim, pois antes de uma amizade se estabelecer, se estabilizar, a gente nunca tem certeza se o outro tem interesse em nós (e mesmo depois, claro, coisas podem acontecer, mas há acho uma zona de conforto que nos conduz a outros problemas).

Se a gente manda uma coisa para alguém (geralmente algo que achamos que elas vão gostar), o que garante que a pessoa vai responder como queremos? A pessoa não está na nossa cabeça (mesmo que ela também pense em nós). Acho isso tudo terrivelmente difícil quando paro pra pensar.

Pois claro, mesmo que as pessoas comecem uma conversam, sejam ativas, a gente pode sempre ficar pensando (como acontece muitas vezes, e em diferentes momentos nos encontramos em lados diferentes dessa operação) que a conversa acontece apenas pela insistência de um dos lados.

Eu acho que quando a gente acaba fazendo isso por meio desses espaços, qualquer unilateralidade aparece com muito mais força. Não que isso signifique que haja de fato uma unilateralidade (pois há mil razões para contatos assimétricos e uma amizade não é, ao meu ver, simetria).

Mas se a gente já está fazendo esse salto mortal, basta a gente ter uma resposta que não gostamos para nos frustrarmos. E aí claro, a gente olha as coisas. Vê como as conversas não engataram. Como as respostas são monossilábicas e de alguma forma sofre um pouco.

Eu acho que é muito graficamente visível” as assimetrias em conversas de zap e de dm. E de novo, acho que ocupamos ambos os lados dessa assimetria, e é fácil esquecer isso. A gente acaba apenas se sentindo rejeitado pela pessoa, se sentindo alguém que não importa tanto.

Acho que é como se essa estrutura alimentasse os medos e as inseguranças que antecipam a tentativa de qualquer construção de amizade. Pois infelizmente nem sempre a afeição é mútua, nem sempre o interesse é mútuo e há mil razões para isso que não implicam em defeito das partes.

Muitas vezes não estamos abertos a amizades, muitas vezes estamos em um momento ruim, mas muitas vezes também nós não nos reconhecemos no interesse do outro. Acho que não é algo anormal a gente sentir o interesse de alguém mas sentir que é pelas razões erradas”.

Assim como muitas vezes nós mesmos que queremos a amizade de alguém vamos percebendo nessa tentativa de construção que também não queremos aquilo que parece ser o necessário para essa amizade. Muitas vezes o que desejamos se mostra menos desejável na aproximação.

Mas de novo, acho que isso de alguma forma fica mais marcado na vida online pois essas partidas e paradas” acabam se tornando mais visíveis enquanto etapas em vez de apenas aparecer como um movimento fluido que parece acontecer de modo inconsciente (ou atrás de nossa atenção).

Eu ao menos acho que esse elemento, essa permanência”, torna tudo mais perigoso e mais disponível para se transformar em um ressentimento. Afinal, você olha ali as mensagens de zap com alguém e vê que só você toma atitude (e isso acontece até com amigos de mais longa data).

Acho que de alguma forma isso acaba ecoando mais, ficando mais na sua cabeça mesmo que não seja real (afinal, tem gente que simplesmente não se relaciona bem por whatsapps da vida, tem gente que tem a maior amizade do mundo apenas presencialmente — e o inverso também).

No fim das contas, a gente vê nossas inseguranças ainda mais alimentadas e rapidamente essa situação se converte ou em ódio contra o outro (o ressentimento, a hostilidade, a vingança) ou contra nós mesmos (a autocomiseração, a melancolia, a paranóia).

Enfim, é difícil. Acho que o que resta pra fazer é adotar uma postura mais estóica de não levar para o pessoal”. Não acho que seja fácil, acho que é a consequência de uma disciplina construída de repetir pra si que nem sempre as coisas correspondem por culpa de alguém.

March 30, 2022

As referências que escolhemos e não escolhemos

repetindo meu mantra filosófico baixinho: o caminho de reflexão filosófica de alguém não é sobredeterminado de maneira cabal pelas referências que a pessoa escolhe ler ou não ler.

A pessoa que presume que o autor dela” é chave” para entender [um problema qualquer] costuma na maior parte das vezes apenas reafirmando sua posição numa cadeia de relações institucionais no campo da filsofofia”.

Claro que diferentes autores nos põe em contato com diferentes problemas, com diferentes procedimentos e outros pontos de vista (e cada um de uma maneira particular). Mas ir disso para eis aqui a chave do contemporâneo” me parece um erro grosseiro.

Mas claro, dá pra entender. Todo mundo precisa vender seu peixe. E todo mundo precisa de alguma forma se justificar publicamente sobre ter gasto anos lendo um autor (ou grupo de autores) quando poderia muito bem ter lido simplesmente outras coisas.

March 24, 2022

Sobre ser simpático

eu penso que ser simpático, generoso e ter boa fé no que os outros dizem é uma arte que acho bom ser cultivada especialmente com desconhecidos. nem sempre é fácil, mas é um constrangimento interno que na maior parte das vezes (nem sempre) tem efeitos sociais positivos.

isso não é uma licença para ser otário (embora as vezes a gente se faça de trouxa), mas ao menos acho que é melhor do que ser desconfiado (que é algo que só gera tensão desnecessária).

Também não acho que essa simpatia, boa fé é algo natural (em algumas pessoas pode ser). É algo que as vezes vai contra o humor, nossas disposições e nossos hábitos. É algo realmente que implica atuar” muitas vezes. O que não significa que seja falso, pelo contrário.

O fato de se fazer o simpático” ser algo antinatural acho que torna esse comprometimento ainda mais valoroso, pois mostra uma disposição para ser outra pessoa (ainda que de vez em quando).

Nem sempre isso dá bom, claro. Além de ser feito de otário as vezes nossa simpatia excessiva (sobretudo em momentos em que estamos sem conseguir ler as situações) pode acabar parecendo agressiva. Mas ainda assim me parece um risco melhor do que se fechar diante dos outros.

March 22, 2022

O aprendizado da escrita

Isso que o Moysés falou é algo que penso demais. As vezes inclusive acho que escrever tese” é tipo tirar a carteira”. Você ainda não aprendeu a dirigir direito (falta uma boa dose de prática e experiência acumulada), mas você domina abstratamente um conjunto de protocolos.

Eu não sei se foi para melhor ou para pior (do meu ponto de vista para melhor), mas acho que nunca mais quero escrever na minha vida da maneira que escrevi na tese.

Por outro lado acho que pra mim foi importante. Eu tinha muitas questães” com escrever (talvez uma relação mistificada demais pelo meu apreço por literatura e ensaísmo) e a tese me deu um caminho prático (e irrefletido) de como escrever sem pensar demais nessas nóias.

O problema eu acho é meio que naturalizar esses protocolos, esses cacoetes. Eles são uma boa muleta até você só conseguir escrever nesses termos. E agora ao menos quero acreditar que o que tenho feito vai cada vez mais se distanciando daquela prática (sem renegá-la totalmente).

Pensando aqui, acho que é um mérito (um dos poucos méritos) naturalizar a escrita mediana/ruim. Acho que uma cultura literária demais emana um tipo de elitismo (a capacidade de reconhecer certos códigos implícito, de dominar as normas de bom gosto) que gera muita ansiedade.

Eu até acho que o estilo é um bom problema, que deve-se de alguma forma ir em direção a algo nessa ordem. Mas em ambientes em que o caráter literário é forte acho que a coisa toda do jeito que a academia é estruturada acaba muitas vezes funcionando como um filtro esquisito.

Escrever já é algo difícil, complicado. Você ainda por cima precisa ser um excelente escritor, dominar recursos que requerem tempo, experiência (e geralmente algum problema que te faça escrever assim ou assado) sem ter tido nenhum preparo para isso? Me parece injusto.

O modelo do artigo e dos textos acadêmicos — sobretudo aqueles chatos, sobretudo os caretas” —, por mais problemático que sejam se forem tomado como todo o horizonte da escrita, ao menos eles apresentam um caminho factível para o não-experiente.

March 7, 2022

Sobre o impacto da filosofia no mundo

Essa formulação da pergunta é engraçada pois pra mim a coisa parece de fato estar trocado. O esquisito pra mim foi sempre que eu tomo como inequívoco que a filosofia produz efeitos em quem se envolve com ela mas esses efeitos são (pra mim) difíceis de capturar.

Todos os exemplos que costuma-se dar eu acho que nunca capturam muito bem a especificidade dessa atividade. Ou ao menos era isso um dos grandes problemas da minha tese: a ideia de que a filosofia muda vidas, mas uma dificuldade em entender o como”.

E além disso eu acho que o como” nunca tem a ver apenas” com o conteúdo (ou ao menos com o conteúdo intencionado pelo autor). Fosse esse o caso eu acho que a atividade se resumiria a encontrar os juízos certos” feitos pelos filósofos. Não acho que é exatamente isso que rola.

Tentando exprimir essa minha confusão em exemplos. A obra do Espinosa (mas pode ser a de Kant, a de Deleuze) me toca. Ela parece me dizer algo sem que necessariamente eu concorde com a forma como ele sistematiza a realidade ou que compre suas categorias.

Acho que de alguma forma eu me pergunto (e não é uma pergunta que eu ache que se responda diretamente): como que isso pode ter um valor, pode me afetar, pode mexer comigo mesmo nos momentos em que eu discordo absolutamente do que é discutido ou defendido por um filósofo?


← Newer Entries Older Entries →