March 5, 2022

O gravitas da filosofia francesa contemporânea

Nesse carnaval deu para me conciliar melhor com o meu apreço pela filosofia francesa (apesar de seus mil problemas e cafonices) e também entender a distância que ainda m mantenho da filosofia anglófona (apesar de seus méritos e de ser um campo ainda muito ativo).

Ainda quero elaborar isso de maneira mais longa, mas apesar de toda a cafonice e francesice muitas vezes exageradas, acho que o que me toca ali é que apesar de tudo você ainda sente que a filosofia é um meio para tocar em questões existenciais que move a pessoa no fundo da alma.

Não tenho dúvidas que tem muitos problemas nesse caminho, que muitas vezes as formas de se fazer isso acabam fazendo aquelas saladas que incomodam tantas pessoas. Mas ainda assim parece que de alguma forma ali mira-se em coisas que importam (ainda preciso sistematizar melhor).

A filosofia anglófona, com todos os seus méritos, quando tenta fazer isso acaba sempre me parecendo meio oca, meio bobinha (salvo quando apela para aquelas figuras da filosofia americana pré-anos 30, para elementos germânicos ou extra-ocidentais).

Agora, por outro lado, tem algo na clareza cristalina dos anglófonos, na tentativa de se categorizar direitinho todo mundo entende” que me atrai apesar de discordar de boa parte dos resultados (ou sempre de achar que falta algo).

Mas enfim, ainda preciso entender isso melhor. Um dos meus objetivos pro futuro na filosofia é continuar me aproximando mais da tradição anglófona até para me situar e precisar mais o que me aproxima e me afasta ali.

March 5, 2022

O excesso de empiricismo

Tem gente que é excessivamente especulativa. Isso é ruim, claro, muitas vezes atrapalha pelo tanto que ela põe de invenção nas situações. Mas acho que me incomoda igualmente ou mais é o oposto disso. Aquela que é incapaz de articular minimamente coisas no campo da abstração.

É um tipo de empiricismo” barato que quando se depara com operações conceituais um pouco menos sólidas ela só consegue acusar ou ignorar, agindo como se apenas aquilo que aparece para ela fosse digno de ser pensado.

February 21, 2022

A inexistência atual de filosofia na europa

contraponto a este tweet: não existe mais filosofia na europa

A ideia de uma dissertação não minúscula (toda aquela gordura) é extremamente produtiva pra formação do pesquisador. O problema acho que é mais que as razões que a instituição dá pra dissertações aqui terem essa estrutura não estão alinhadas ao tipo de capacidade que desenvolvem.

Claro que ainda tem herdeiros das gerações fenomenológicas, estruturalistas e hermenêuticas do continente, mas a essa altura o que fazem ou é historiografia (massa! importante) ou repetição burocrática que serve mais pra demarcar um lugar institucional (não massa).

O que tem de filosofia viva” hoje em dia — pra bem ou pra mal — me parece mais as coisas da ordem do dia da filosofia anglo (em suas infinitas variações mas definitivamente não todas as expressões dessas variações, já que lá também há a sua burocracia institucional).

Além disso acho que dá pra apontar também uma corrente viva” de filosofias ligadas a problemas políticas (que submetem as distinções filosóficas à esses problemas), mas ainda não tenho muita clareza de como organizá-las até porque acho que institucionalmente são desconectadas.

Institucionalmente desconectadas no sentido de que ainda que hajam figuras relevantes e influentes, estas parecem ser figuras solitárias ou marginalizadas que tem pouco espaço interno na filosofia (para arranjar financiamento para outras pessoas ou abrir vagas nos departamentos).

February 13, 2022

Certas auto-limitações na produção filosófica

Um limite (oulipiano/pereciano?) que estabeleço pra mim mesmo é pensar questões de conjuntura sem usar palavras da moda (independente da força analítica) como neoliberalismo” e também evitar a todo custo referenciar eventos de notícia (“eleições 2022”) ou teóricos do momento”.

Gostaria de dizer que são procedimentos como os da OULIPO, mas acredito que essas limitações arbitrárias devem refletir mais birras pessoais e um desejo de ser diferentão do que qualquer vantagem analítica.

Claro que mesmo com consciência da fonte birrenta eu tenho um senso de amor-próprio e acredito que esse procedimento me ajuda a tornar as coisas mais interessantes (nem que seja pra mim mesmo) e me permite também sair um pouco da zona de conforto.

February 6, 2022

Pensar como reagir

Uma ideia que eu tenho pensado ultimamente é que 90% das vezes pensar é reagir a um livro/texto (ou a uma fala, mas que dado as condições da academia contemporânea é feita em moldes de texto e não, por exemplo, de uma conversa). Eu não acho isso um problema em si.

Na verdade o que me interessa é: o que significa dizer que pensar é reagir a um texto (e assim por diante). Será que isso permite a gente traçar novas demarcações sobre o ato de pensar (dependendo do tipo de texto que se lê, por exemplo)?

Eu tenho pensado muito nisso pra refletir sobre algumas frustrações que eu tenho na academia. Sobre o que as pessoas falam quando elas dizem que estão fazendo filosofia e quando dizem que outras pessoas não estão fazendo. Normalmente acho tudo uma loucura pois todas estão lendo.

Não acho um problema. Mas tenho pensado que talvez fazer distinções dessa ordem, à respeito dos tipos de leitura (historiográfica, exegética, comparativa, criativa, polêmica, crítica, etc) talvez seja uma forma melhor de avaliar e compreender os tipos de filosofia que fazemos.

February 1, 2022

A circulação de ideias no ecossistema filosófico nacional

A coisa chata de um ambiente filosófico nacional predominantemente historiográfico dividido em nichos de autores ou épocas é que isso acaba limitando demais a circulação de ideias para fora de certas rotas já pré-estabelecidas mesmo em pesquisas não historiográficas.

Tem muita ideia legal (em textos de história da filosofia ou não), mas parece que elas não circulam pois não tem o menor semblante de uma esfera pública aqui (mesmo que fosse diversa e inacessível em sua totalidade para pesquisadores individuais pela pluralidade de posições).

Acho totalmente besta essa ideia de autoralidade (“pensar em nome próprio” parece uma forma criptografada de defender propriedade intelectual). O que acho que faz falta aqui é uma liberalidade maior no uso das ideias e esquemas pra pensar problemas (e não apenas sua reverência).

Mas também não sei se essa prática de liberalidade seria possível instituir de modo voluntarista. Acho que é a maneira como a coisa se organiza aqui em nichos que impede isso, já que o crescimento na carreira parece estar associado à sua capacidade de reproduzir um nicho.

Impossível cultivar um perfil liberal quando qualquer forma de amadorismo e experimentação é rechaçado nas formas de avaliação e crescimento da carreira (só pensar nos processos de seleção de vagas efetivas e no papel da produção acadêmica na progressão de carreira e bolsas).

Não tem o menor estímulo e acho que um dos efeitos disso é que mesmo as discussões mais contemporâneas e temáticas (que em tese não deveriam se organizar dessa forma) acabam sofrendo desse mesmo engessamento. As discussões se tornam um fim para você consolidar um perfil.

Claro que há exceções… há uns esforços hercúleos (para quem conseguiu entrar) e fracassados (para quem não consegue atravessar a porta). Mas enquanto a forma de avaliação for da forma que é, é difícil imaginar a coisa modificando de figura.

O pior de tudo é que essa estrutura faz com que a possibilidade da liberalidade fique restrita aos que estão no topo da carreira. Como se fosse um prêmio de consolação por chegarem (ou terem sobrevivido) num ponto em que eles é que são os juízes.

Acho que por isso me interessa descobrir como organizar espaços em que o amadorismo seja o elemento estruturante. Isso implica em alguma medida luar contra uma noção vazia de especialismo (que no fundo é um auto-referencialismo que só reforça e reproduz uma determinada área).

Com isso não quero dizer que se deve ir contra qualquer forma de reflexão mais especializada (tem que ser muito tosco pra negar que se aprende demais com quem se dedicou a um campo de problemas específicos), mas que o espaço cultivado não toma o aprofundamento como valor em si.

O espaço do amadorismo precisa então encontrar outros critérios que permitam que se absorva os ganhos dos especialistas sem por isso se submeter a uma versão patológica sua.

É por essa razão que eu tenho sentimentos ambíguos com essa onda de filosofia pública”. Ainda que seja importante e interessante o deslocamento da filosofia pra fora da academia (pois a academia não esgota essa atividade), ela ainda é feita a partir de critérios de dentro.

Por isso que acho que um critério que me parece mais interessante para organizar esses espaços (e isso certamente é um efeito de certos espaços em que circulei e aprendi) é uma ênfase na transmissão.

Não transmissão no sentido de simplesmente reduzir um tema, simplificar. Mas transmissão como um esforço coletivo em que ideias passam a circular para além de suas supostas fontes (e nesse processo inclusive se autonomizando das fontes).

O que talvez implique que a transmissão não acabe produzindo uma homogeneidade, já que o processo de circulação é um em que as ideias vão se enriquecendo a partir do deslocamento de pontos de vista. No fundo a ideia sair do seu lugar torna ela mais completa (sem que seja única).

Mas é difícil falar essas coisas também pois um dos riscos desses espaços (e que talvez estimulam um retorno dos critérios especialistas) é uma certa fragilidade do que circula, como se as posições mobilizadas ali carecessem de fundamentação.

Acho que tem um temor quando se aproxima do amadorismo de que o que há ali é menor, menos verdadeiro. Mas tenho a impressão que isso é em parte um efeito da própria estrutura de especialização (ou seja, do saber como especialização).

Acho então que a suposta fragilidade do amadorismo é do ponto de vista amador um falso problema. Fico meio incerto, mas acho que seu critério, a transmissibilidade — seja no nível do entendimento, do uso e da própria efetividade em práticas —, de fato basta no ato de transmissão.


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