March 31, 2022

A estrutura da amizade sob o prisma do twitter

Tem uma coisa que eu gosto do twitter é que o caráter da rede torna muito visível alguns passos na construção/início de amizades na mesma medida em que a própria rede deixa isso tudo ainda muito mais difícil pela decomposição” que permite essa visibilização.

Tornar-se amigo de alguém é pra mim (sempre foi) um problema. Acho que em parte por ser uma pessoa tímida no contato inicial (insegura em ambientes novos) eu sempre reparei bastante nesse ato esquisito em que um desconhecido se torna um conhecido e depois converte-se em amigo.

É uma coisa misteriosa difícil de entender e que acho que muito facilmente produz ressentimento quando você se vê do lado de fora dessa construção. Quando seus apelos ou demandas acabam ficando sem respostas e você invariavelmente acaba acreditando que há um problema com você.

Isso é tudo muito duro acho na vida social habitual. É bastante frustrante desejar se aproximar de alguém e ver que você não consegue. É normal então acho (mesmo que para se tranquilizar) acabar jogando esse fracasso” no outro que recusa a gente. É ele que não é aberto”.

Ainda assim, apesar disso, acho que no fim das contas os ritmos da vida social offline (que se distinguem da online por não serem tão marcadas” e preservadas” em suas etapas”, por nos aparecerem como mais fluidas” e moventes”) parecem amortizar esse tipo de experiência.

Quando a gente constrói esse tipo de relação online, ainda mais em redes sociais em que boa parte dos passos nessa construção permanecem visíveis durante todo o ato de construção (ou tentativa de construção), a coisa parece ganhar um nível de reflexividade que complica tudo.

A gente percebe rapidamente que qualquer gesto que a gente faz não apenas fica visível para os outros (se fazemos publicamente, numa timeline), como também para nós mesmos como uma espécie de lembrança dura da nossa dificuldade em se aproximar de outra pessoa.

A gente vê uma pessoa interessante, a gente passa a acompanhar suas postagens, curtir suas falas e até comentar (responder) às suas falas. Acho que é algo que em alguma medida todos acabamos fazendo de um modo ou de outro.

Até esse ponto eu acho que as coisas elas ainda estão num ponto de aquecimento. Não há nenhuma relação pois nossa postura acaba ainda sendo muito reativa. E muitas vezes a gente se satisfaz com isso. Há, acredito, uma satisfação em observar de longe.

Para mim isso é particularmente o caso ao lidar com pessoas famosas. Offline ou online, sempre tive uma resistência a me aproximar de gente famosa pelo tanto de demanda que acredito haver sobre elas. Sempre sinto como se tivesse que buscar um espaço de sua atenção e prefiro não.

Nesse caso a situação se resolve de maneira simples. A recusa da amizade não aparece como qualquer defeito meu ou da pessoa. Trata-se de uma circunstância que eu pessoalmente preferiria não testar (e tudo bem).

Nesses casos me contento com me situar nesse ponto de observação. Acho que é uma relação tão plena quanto uma amizade em que há afeto mútuo (mas se é plena é justamente, ao meu ver, por ser uma relação de um tipo diferente, e não uma relação em que se sente a falta da resposta).

A questão para mim surge pois nem sempre isso nos satisfaz como uma relação. E mesmo que vá satisfazer depois, as vezes a gente gostaria de experimentar construir outra coisa antes de ficar tranquilo com a relação à distância.

Quando a gente quer se aproximar de alguém (e as vezes esse desejo é implícito, as vezes bem explícito) o que a gente faz? A gente puxa assunto? A gente espera uma ocasião? A gente procura frequentar os mesmos ambientes? Parece tudo excessivo e tudo meio invasivo.

Ao menos para mim sempre me parece invasivo pois, como falei, sou uma pessoa bastante tímida quando me vejo em espaços em que não estou seguro sobre como lidar com os outros.

Como falei, na vida social a coisa parece que se resolve”. O fato de estarmos sempre em movimento e de maneira que nossas pegadas são mais efêmeras (e portanto esquecemos muitas vezes) acaba fazendo com que esse problema se reduza muitas vezes por acaso e sem nossa consciência.

A amizade, como o amor, parece ter essa característica do passado mítico. Quando nos demos conta, já eramos amigos, já trocávamos confidências, já nos apoiávamos um ao outro.” O momento de origem, a construção em si, parece de alguma forma nos escapar.

O problema é que nessas redes sociais tudo fica muito marcado”, memorizado”. A gente não consegue dar um passo sem que ele fique ali olhando de volta para nós. Responder um tweet, um stories, mandar uma dm. Tudo isso acaba aparecendo mais do que gostaríamos para nós mesmos.

Mesmo que a gente diga que é normal (e provavelmente a maior parte das pessoas nem pensa nisso) acho que há sempre uma pressão ou um medo de não estar dando um passo maior que a perna. É como se nossas intenções (nossa demanda, nosso desejo) estivesse gravada ali no contato.

E isso é muito ruim, pois antes de uma amizade se estabelecer, se estabilizar, a gente nunca tem certeza se o outro tem interesse em nós (e mesmo depois, claro, coisas podem acontecer, mas há acho uma zona de conforto que nos conduz a outros problemas).

Se a gente manda uma coisa para alguém (geralmente algo que achamos que elas vão gostar), o que garante que a pessoa vai responder como queremos? A pessoa não está na nossa cabeça (mesmo que ela também pense em nós). Acho isso tudo terrivelmente difícil quando paro pra pensar.

Pois claro, mesmo que as pessoas comecem uma conversam, sejam ativas, a gente pode sempre ficar pensando (como acontece muitas vezes, e em diferentes momentos nos encontramos em lados diferentes dessa operação) que a conversa acontece apenas pela insistência de um dos lados.

Eu acho que quando a gente acaba fazendo isso por meio desses espaços, qualquer unilateralidade aparece com muito mais força. Não que isso signifique que haja de fato uma unilateralidade (pois há mil razões para contatos assimétricos e uma amizade não é, ao meu ver, simetria).

Mas se a gente já está fazendo esse salto mortal, basta a gente ter uma resposta que não gostamos para nos frustrarmos. E aí claro, a gente olha as coisas. Vê como as conversas não engataram. Como as respostas são monossilábicas e de alguma forma sofre um pouco.

Eu acho que é muito graficamente visível” as assimetrias em conversas de zap e de dm. E de novo, acho que ocupamos ambos os lados dessa assimetria, e é fácil esquecer isso. A gente acaba apenas se sentindo rejeitado pela pessoa, se sentindo alguém que não importa tanto.

Acho que é como se essa estrutura alimentasse os medos e as inseguranças que antecipam a tentativa de qualquer construção de amizade. Pois infelizmente nem sempre a afeição é mútua, nem sempre o interesse é mútuo e há mil razões para isso que não implicam em defeito das partes.

Muitas vezes não estamos abertos a amizades, muitas vezes estamos em um momento ruim, mas muitas vezes também nós não nos reconhecemos no interesse do outro. Acho que não é algo anormal a gente sentir o interesse de alguém mas sentir que é pelas razões erradas”.

Assim como muitas vezes nós mesmos que queremos a amizade de alguém vamos percebendo nessa tentativa de construção que também não queremos aquilo que parece ser o necessário para essa amizade. Muitas vezes o que desejamos se mostra menos desejável na aproximação.

Mas de novo, acho que isso de alguma forma fica mais marcado na vida online pois essas partidas e paradas” acabam se tornando mais visíveis enquanto etapas em vez de apenas aparecer como um movimento fluido que parece acontecer de modo inconsciente (ou atrás de nossa atenção).

Eu ao menos acho que esse elemento, essa permanência”, torna tudo mais perigoso e mais disponível para se transformar em um ressentimento. Afinal, você olha ali as mensagens de zap com alguém e vê que só você toma atitude (e isso acontece até com amigos de mais longa data).

Acho que de alguma forma isso acaba ecoando mais, ficando mais na sua cabeça mesmo que não seja real (afinal, tem gente que simplesmente não se relaciona bem por whatsapps da vida, tem gente que tem a maior amizade do mundo apenas presencialmente — e o inverso também).

No fim das contas, a gente vê nossas inseguranças ainda mais alimentadas e rapidamente essa situação se converte ou em ódio contra o outro (o ressentimento, a hostilidade, a vingança) ou contra nós mesmos (a autocomiseração, a melancolia, a paranóia).

Enfim, é difícil. Acho que o que resta pra fazer é adotar uma postura mais estóica de não levar para o pessoal”. Não acho que seja fácil, acho que é a consequência de uma disciplina construída de repetir pra si que nem sempre as coisas correspondem por culpa de alguém.


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