March 18, 2019

Sobre a figura pública na internet

Me pergunto se é possível ser uma figura pública da internet e não cair na dinâmica vidraça/blindamento. Por um lado faz sentido a figura se sentir incentivada a agir enquanto figura pública na medida que ela passa ser tratada como tal.

O discurso vai se tornando mais geral na medida em que o alcance se amplifica e é natural que a postura se transforme. Parece haver uma preocupação maior com o que se diz, como pode ser interpretado e, sobretudo, como pode ser deturpado por detratores.

Junto com o alcance vem também o encontro com pessoas que não concordam com sua posição. Se num ambiente mais localizado muitas dessas críticas poderiam ser tratadas de modo mais aberto, o caráter público do intelectual transforma tanto o tipo de crítica como a recepção dela.

Uma figura pública é sempre menos concreta que seu veículo de projeção. Nos sentimos mais dispostos a ser mais duros e agressivos quando o outro não é uma pessoa. Esquece-se que a figura pública ali é alguém (e que você contata diretamente). A crítica justa pode vir forte demais.

Mas em certa medida isso também é produzida pela própria pessoa (não apenas) a partir do momento que ela se torna e age como figura pública (ou, talvez, quando ela aceita essa posição a partir da incitação dos seus seguidores). A posição de críticos parece apenas confirmar isso.

Se há críticos é por se estar tocando em certas feridas. Eles são o sinal de que se está indo na direção certa. Passa-se a misturar críticas que pré-fama poderiam ser levadas em conta com as que são fruto de ódio. Diante disso só resta aos críticos incorporarem isso na crítica.

Por um lado a pessoa pública se torna vidraça e por outro ela também está absolutamente blindada. As coisas vão escalando e qualquer crítica passa a ser bloqueada, senão pela pessoa pública pelo seu próprio séquito. A defesa é em certa medida uma solução compreensível.

Mas em que medida ela não cria outros problemas? Parece que há uma tendência (em nome da autopreservação — justa) dessa posição produzir uma figura dogmática que não está aberta a uma problematização e que não deixa de produzir um ambiente extremamente belicoso.

Até é possível que uma instância de problematização apareça, mas costuma ser domesticada ou ilusória, uma autocrítica que não toca em nada importante ou na consideração de críticas irrelevantes ou que não ponham em questão realmente as práticas e discursos realizados ali.

Eu realmente não sei como podemos evitar essa dinâmica. Sei apenas que é muito problemática e acho que não depende de modo algum do caráter ou da disposição da figura pública internética.


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