September 5, 2019

Sobre o conceito-objeto

Durante a irritação com o livro-objeto da n-1 lembrei de uma passagem do Mênon muito boa. Nela o Sócrates dá dois exemplos de definição. Uma definição do conceito de figura e uma do conceito de cor. A primeira depende de alguns elementos do senso comum serem aceitos de antemão.

A segunda depende da aceitação de um comprometimento maior, isto é, a teoria da sensibilidade (via emanações dos corpos) elaborada por Empédocles. Após esses dois exemplos, Sócrates lamenta (“trágico”) que o Mênon ache a segunda melhor. Mas qual o problema disso?

O problema é que essa definição exige tantos comprometimentos, a aceitação de teorias inteiras. Enquanto a outra precisa de um solo em comum muito menor para conseguir ser elaborada. O que tenho a impressão é que rola um fetiche do Mênon pela teoria do Empédocles (sua ~theory).

É como se (suponho) o discurso teórico seduzisse ele sem que ele necessariamente tivesse esse discurso adequadamente justificado para si. Ou seja, o risco de se comprometer com discursos vazios é maior na medida em que exigem mais comprometimentos, mais elaboração prévia.

É curioso, portanto, que Sócrates prefira a definição simples. Não por um apelo bobo ao senso comum, mas por entender que o elemento fundamental não é o conceito pelo conceito, mas o seu movimento de elaboração a partir da dialética, ou seja, de um solo comum de compreensão.

O que isso tem a ver com a n-1? Acho que assim como há livros-objetos”, suponho que existem também conceitos-objetos”. A gente vê isso o tempo inteiro, quando as pessoas jogam frases como rizoma, cosmopolítica, mito do dado, genealogia e assim por diante. Não raro são vazios.

É difícil lidar com essa situação. De novo lembro do Platão: da dificuldade de identificar a diferença entre o falso filósofo’ [o sofista] e o filósofo’, de conseguir explicar filosoficamente (que é o que Platão não consegue) essa aparência de saber sem comprometer o saber.

September 2, 2019

Sobre retomar aqueles escritores que amamos

Eu queria escrever um texto sobre a relação que temos com os autores que lemos. Não sei exatamente como escrever, mas a ideia passa um pouco pela tentativa de entender o que significa recortar certas ideias para apresentá-las como algo que nos interessa.

Sempre fico pensando nessa coisa esquisita que é esse hábito de retomar o que outros disseram para falar algo que nós gostaríamos de dizer mas que não é exatamente o que o autor disse. A gente toma o cuidado de reconstruir certas ideias, explicá-las, mas o que se faz com isso?

O que me lembra também o negativo desse gesto, que é a recusa de um autor por completo por uma incapacidade dele convergir no que consideramos essencial e que acaba previnindo de antemão o uso desse autor (como se houvesse uma bagagem que acompanhasse esse uso)

August 25, 2019

A periferização da produção filosófica

Recuperar o caráter periférico da filosofia, como o Karatani faz no Isonomia, parece um esforço interessante. Não é nada de novo ou original, mas o trabalho de reler a história da filosofia com isso em mente pode gerar efeitos interessantes.

Um adendo esquisito e não tão pensado: acho que o que me incomoda em parte da filosofia contemporânea que eu frequento é uma tendência a anular essa distância essencial. Como naquela feita na metrópole (que se autovalida ao naturalizar-se como local da fillsofia).

Acho que isso é um risco presente em filosofias que vem viralizando aqui. O risco de fetichizar e tomar a periferia como novo centro é algo que deve ser ativamente combatido pelo risco de apagar essa distância. É bom preservar essa potência da filosofia contra o centro”.

August 23, 2019

Essa thread é excelente. Eu sei que o mundo está literalmente pegando fogo, mas esse problema é uma puta trava na academia e, eu diria, ainda mais na filosofia. Ele só estimula a produção de trabalhos adequados” (homogêneos). Aqui tem uns bons apontamentos sobre como sair dele.

Ele mesmo fala ali algo que eu já pensei. Ao em vez de revistas com comitês editoriais e edições e o escambau me pergunto o quanto ganharíamos se tivessemos um sistema de um enorme banco de textos como o arxiv (mas com pareceristas no estilo sugerido pelo Wolfendale).

O que significa, não ignorar a importância de construção coletiva, do trabalho de leitura, mas torná-lo menos draconiano. Não sei vocês mas eu hesito demais só em saber que preciso mandar artigos pra revistas, esperar ter dossiês, torcer pra ser lido com boa vontade etc.

O pior é que parece impossível vislumbrar mudanças nessa questão e a coisa vira apenas uma submissão a esse esquema até você conseguir uma estabilidade (aí você passa ao menos a poder negociar UM POUCO o quanto quer ceder).

August 22, 2019

Uma hipótese sobre o pensamento mágico

Hipótese: pensamento mágico é um epifenômeno do pensamento. Ao em vez de ser a sua origem (começa-se pensando magicamente e depois a coisa se torna rigorosa) é seu definhamento.

Dessa forma o pensamento mágico (se há) não deve ser identificado com povos primitivos” (que, como a antropologia mostra, pensa de forma extremamente complexa) mas com o pensamentos como os da vibe auto-ajuda” (que parece uma forma definhada de filosofia estóica).

Hipótese complementar: talvez o pensamento mágico só possa surgir em sociedades capitalistas por estarem inseridas na lógica do fetiche da mercadoria que esconde as relações de produção.

August 20, 2019

Hipótese sobre ideias

Elaboradas a partir de comentários do @_tcandido e do @loryenipsum:

  1. Ideias como ideias são estruturas com organizações precisas, elas tem uma ordenação, cada parte dos conceitos tem sua posição, seu sentido, enfim, sua especificidade (informação).

  2. Por serem informação, elas circulam por meio de transmissão. Como se sabe, as perdas e ruídos presentes no processo de transmissão demandam ou uma vagarosidade no processo de transmissão ou uma certa simplificação que se protege contra as perdas eventuais dessa ideia.

  3. O Serres (como o @loryenipsum lembrou numa nota de rodapé que ele traduziu) fala um pouco das ideias filosóficas nesse sentido. O grau de entropia vai aumentando (vão se tornando desorganizadas, suas partes indiferentes) ao longo do tempo (pelas transmissões).

  4. O historiador da filosofia nesse caso entra justamente como aquele que faz o movimento contrário, ele é um impulso de neguentropia, ele procura retornar à origem da ideia para restabelecer a sua complexidade, sua singularidade (não necessariamente a interpretação correta).

  5. Isso me lembrou do excelente capítulo do Se Parmênides” da Barbara Cassin que ela comenta a doxografia dos textos gregos que se constitui na antiguidade. Parece que é justamente um movimento de aumento da entropia, pois os textos vão ficando mais e mais genéricos com o tempo.

  6. Será que não é um pouco o que acontece com a internet? Como a difusão se tornou infinitamente mais fácil, parece que esse movimento de entropia das ideias entrou num novo ritmo de aceleração que facilita tornar as ideias ainda mais simplificadas. Semelhante às doxografias.

  7. Não estou dizendo que isso é culpa” das pessoas. Mas talvez seja uma tendência acelerada pela disponibilidade atual dos mecanismos de transmissão. Claro, muita coisa teria que fazer pra fundamentar, mas talvez seja uma hipótese possível de se investigar.


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