Sobre o conceito-objeto
Durante a irritação com o livro-objeto da n-1 lembrei de uma passagem do Mênon muito boa. Nela o Sócrates dá dois exemplos de definição. Uma definição do conceito de figura e uma do conceito de cor. A primeira depende de alguns elementos do senso comum serem aceitos de antemão.
A segunda depende da aceitação de um comprometimento maior, isto é, a teoria da sensibilidade (via emanações dos corpos) elaborada por Empédocles. Após esses dois exemplos, Sócrates lamenta (“trágico”) que o Mênon ache a segunda melhor. Mas qual o problema disso?
O problema é que essa definição exige tantos comprometimentos, a aceitação de teorias inteiras. Enquanto a outra precisa de um solo em comum muito menor para conseguir ser elaborada. O que tenho a impressão é que rola um fetiche do Mênon pela teoria do Empédocles (sua ~theory).
É como se (suponho) o discurso teórico seduzisse ele sem que ele necessariamente tivesse esse discurso adequadamente justificado para si. Ou seja, o risco de se comprometer com discursos vazios é maior na medida em que exigem mais comprometimentos, mais elaboração prévia.
É curioso, portanto, que Sócrates prefira a definição simples. Não por um apelo bobo ao senso comum, mas por entender que o elemento fundamental não é o conceito pelo conceito, mas o seu movimento de elaboração a partir da dialética, ou seja, de um solo comum de compreensão.
O que isso tem a ver com a n-1? Acho que assim como há “livros-objetos”, suponho que existem também “conceitos-objetos”. A gente vê isso o tempo inteiro, quando as pessoas jogam frases como rizoma, cosmopolítica, mito do dado, genealogia e assim por diante. Não raro são vazios.
É difícil lidar com essa situação. De novo lembro do Platão: da dificuldade de identificar a diferença entre o ‘falso filósofo’ [o sofista] e o ‘filósofo’, de conseguir explicar filosoficamente (que é o que Platão não consegue) essa aparência de saber sem comprometer o saber.