October 12, 2022

O descompasso entre a filosofia interna e externa

Me pergunto se o descompasso entre filosofias hegemônicas no espaço mais intenso de elaboração filosófica (circuito universitário anglo com filosofias analíticas etc) e as filosofias que tendem a circular em outros campos (geralmente mais continentais”) é uma novidade histórica.

Eu só acho engraçado que” ambos os lados dessa assimetria (voluntaria ou involuntariamente) tendem a tomar seu aspecto assimétrico como a justificativa para a sua superioridade diante do outro campo (ainda que analítico” e continental” não estejam bem definidos aqui).

O circuito anglófono universitário (que tomo uma filosofia pelo seu laço institucional e de modo algum por questão doutrinal ou procedimental — de modo que analítico” é apenas uma abreviação cômoda) se apóia na sua hegemonia no fato de dominar o campo acadêmico de filosofia.

O raciocínio (que não precisa estar explicitado para fazer sentido) parece ser: se as pessoas que vivem de filosofia tendem a fazer esse tipo de filosofia, então esta possui alguma superioridade em relação às outras formas. A dominação institucional é o signo de sucesso.

A filosofia continental (que está longe de ser uma que se exerce no continente europeu e que também não tem qualquer unidade doutrinal ou de procedimentos) parece compensar seu caráter de minoria na instituição com sua capacidade de afetar outros campos e problemas.

A filosofia continental justificaria sua superioridade com um raciocínio do tipo: o fato de que esse tipo de filosofia circula para além dos círculos estritamente filosóficos é um sinal de que tomamos em questões universais que tocam a todos, logo somos a verdadeira filosofia”.

Não acho que esses tipos” precisam defender posições assim explicitamente. Acho que isso é algo que se deduz/supõe a partir dos comportamentos das pessoas conforme elas estão mais ou menos engajado em um tipo de laço institucional.

October 10, 2022

O rememorar heraclítico em Platão

O esforço de entender a filosofia (em Platão) como rememoração” me parece menos um aceno à transmigração das almas e mais ao fato de que dormimos acordados” (como sugere Heráclito), que na maior parte do tempo esquecemos de nós mesmos (com razão, já que se examinar é duro).

Acho que o esforço de rememorar” é se pôr na posição de assumir que cada pensamento (e cada ação?) é sempre em alguma medida uma decisão que tomamos e que no fim das contas não é possível delegá-la tão de uma vez por todas a um costume, uma tradição ou uma opinião recebida.

October 4, 2022

Nietzsche como um novo velho oligarca”

Ficando com a impressão (cada vez que aparece mais trechos dele nas coisas que leio) que o Nietzsche é só uma espécie de repetição moderna do Velho oligarca” (pseudo-Xenofonte) que escreveu sobre a democracia ateniense do V.

Não me surpreende nem um pouco que Nietzsche seja uma reedição desses oligarcas. Um desejo pela força que porém se ressente que a maioria comum (não-aristocrática) de fato tem mais força que as famílias tradicionais mas que possui um estilo que o torna extremamente sedutor.

Claro que Nietzsche acerta, mas ora como acaso (pois muito inteligente) e ora como quadro de um sintoma da modernidade e suas crises. Acho, porém, que o Nietzsche não-conservador, fabricação francesa, dificulta ver e situar esse mérito.

Talvez tudo seria mais fácil se essa geração francesa dos 60 fosse capaz de aceitar que tá tudo bem gostar(e extrair idéias e procedimentos) de obras de reacionários e conservadores (afinal, Céline, Jünger, Aristóteles!).

September 30, 2022

A infraestrutura comunicacional do twitter

A desconexão entre seguindo” (quem se observa e que formam uma imagem de um todo, de uma imagem de conjunto) e seguidores” (a quem se dirige, que são os receptores daquilo que se tem a dizer sobre o conjunto) é pra mim um elemento fundamental da estrutura discursiva do twitter.

É realmente algo simples o fato de que não há um circuito comum entre quem seguimos e quem nos segue. Mas o que isso implica é que nossas percepções e intuições sobre esse espaço (e as opiniões que temos sobre ele) não será necessariamente compartilhada por quem nos escuta.

Acho que isso tem aspectos positivos e negativos. Por um lado torna o problema da contextualização central. Como as pessoas não vêem o que você vê, há sempre o risco de você ser tomado como um tonto (já que ninguém vê o que você vê), que está criando espantalhos.

Por outro lado (mas a que custo?) sinto que essa tendência de descontextualização pode dar lugar a formas inventivas de constituir conversas, de tentar reter o contexto minimamente, de compor (por conversas, por interações repetidas, por circuitos comuns) um espaço de sentido.

Já que não é dada a conexão entre o que se vê e o que se diz sobre o que se vê, há todo um trabalho por se fazer a isso. E isso acho que todos nós que estamos habituados a rede acabamos fazendo mais ou menos explicitamente.

Acho que finalmente entendi porque gosto tanto desse espaço. É uma rede que tem como elemento estruturante um problema central da vida em comum: a ideia de que aquilo que queremos comunicar (que vemos em quem seguimos”) não é dado para quem nos endereçamos (que nos escutam).

September 29, 2022

A filosofia como um gênero textual

Tou lendo agora um livro sobre Platão e gêneros textuais (“Genres in Plato” da Andrea Nightingale) e lembrando como uma questão que me interessa demais (mas sem tempo irmão) é compreender em que sentido a filosofia é um gênero (sobretudo considerando suas variações).

Isso sempre foi uma das coisas que mais me interessou. É um campo que não pode ser definido com códigos que delimitam os tipos de texto. Claro que nem todos os textos são singulares, mas se a gente pega um conjunto de textos reconhecidos como filosóficos as variações são enormes.

Isso é um problema inclusive para fins pedagógicos, já que o que significa ensinar uma prática (que tem uma relação intensa — embora contingente? — com a escrita) que não tem qualquer uniformidade? O que une esses textos, permite identificá-los como partes de um todo?

Se a gente não consegue transmitir” os códigos que situam o campo, que tornam ele reprodutível, fica difícil lidar com a própria transmissão dessa disciplina. O mais interessante é que a filosofia floresce apesar dessas dificuldades, apesar dessa dificuldade de situá-la.

September 28, 2022

Sobre o mimético e o poético nas artes

Vou virar uma espécie de Heidegger de quinta categoria e começar a defender que o grande problema do campo artístico na história do ocidente é a confusão entre poiesis e mimesis, entre o fazer e representar, que destaca o representar como essência do artístico esquece o fazer.

Isso é uma espécie de brincadeira, mas eu tenho pensado muito sobre como a compreensão (muitas vezes implícita) de práticas artísticas como representativas (no limite como involuntariamente especulares) são causa de muitas confusões, sobretudo ao escamotear a produção.

Isso são uns pitacos altamente influenciados pelas análises do Sérgio Ferro, que pra mim de alguma forma organizam o meio de campo e até deixam entender com um pouco mais de clareza como a representação (o aspecto mimético) é um caso do fazer (o poético).

Eu estou longe longe MUITO LONGE de conseguir elaborar de maneira consistente e sistemática o que tou dizendo aqui, mas acho que de alguma maneira o Artes Plásticas e Trabalho Livre II mostra NA MÃO (ou seja, na análise do processo produtivo do Manet) o fazer livre como arte.


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