November 15, 2022

Percursos medrosos na filosofia

Percebendo que estou fazendo com o Cavell o que faço com todos os autores que amo: indo pelas beiradas, consumindo lentamente, com medo de mergulhar no momento em que sua obra se condensou com mais intensidade e força e que depois se irradiou (no caso, The Claim of reason”).

De fato minha experiência com a filosofia é um pouco ambígua. Por um lado uma obsessão doente, uma vontade de ficar retomando vez após vês questões e problemas. Por outro lado, acho que tenho um medo de me confrontar com esses momentos épicos que me obrigariam a refazer sinapses.

November 3, 2022

A falta de sentido em Public Philosophy”

Eu amo a invenção (ou o retorno) da ideia de Public Philosophy. Algo que só é possível se você habita um espaço institucional em que o caráter público da filosofia foi subtraído ou marginalizado pela própria instituição ao promover determinados modelos de filosofia.

Essa divisão não faz sentido salvo como um efeito da história dos departamentos de filosofia nas esferos anglo e a relação deles com o mercado de mídias e de circulação pública de ideias e reflexões.

October 25, 2022

A fuga de cérebros na era do global scholar

Gosto muito de pensar na figura do global scholar”, uma figura meio esquisita que ao mesmo tempo que é referendada pelos de lá, ganha moral aqui. Lembro de um texto do Arif Dirlik que tá no The Postcolonial Aura: Third World Criticism in the Age of Global Capitalism”.

Isso certamente não é algo que tá desenvolvido”, mas sempre quando penso em fuga de cérebro” (e que não é motivada por fugas motivadas por perseguições) eu acho que a coisa ganha umas torções meio azedas e amargas, sobre o que dizem para como lidamos com certas figuras.

Acho interessante de ver essas figuras se engajando não é tanto por si mesmas, mas na forma que revelam indiretamente a maneira como parte dos intelectuais que estão aqui lidam e se engajam na política. Os que estão de fora talvez apenas tornem essas distâncias explícitas.

Por acaso estou tenho lido o Críton, um texto em que tentam convencer Sócrates a fugir para fora de Atenas. De duas uma: ou ficar quieto lá e deixar de filosofar (retirar um aspecto público-político do seu filosofar) ou ficar sem sua referência (não haveria mais Atenas para ele).

Nenhuma questão com trabalhar fora do país e/ou agir à distância (não faltam exemplos). A questão que suspeito quando essa participação, essa ação na pólis a distância, se dá por meio de um engajamento na esfera pública (seja oficial, jornalesca, ou em redes sociais).

October 21, 2022

A ação do dizer na obra platônica

Se a obra de Platão possui uma ação do dizer” que deve ser central na sua leitura, como defende o Benoit (concordo), talvez seja possível tomar liberdades para além de uma leitura cronológica (ler os diálogos pelas datas dramáticas) dessa ação do dizer.

A Carson dá um exemplo disso na leitura que ela faz do Fedro no terço final do Eros, the bittersweet”. Ela recompõem a ordem do diálogo tornando visível questões que eram implícitas. Algo parecido poderia ser feita na estruturação da ordem da ação do dizer” que o Benoit aponta.

Se a gente põe a tesoura pra agir e reordena poeticamente os diálogos (compondo um outro romance a partir de uma reordenação das cenas), talvez seja possível encontrar outras leituras em Platão que podem não estar imediatamente visíveis mas não deixam de ser interessantes.

October 20, 2022

O bully de internet

Além da figura do parasita, outra figura da internet que cansa demais a minha beleza é o bully de internet” que faz uma performance de agressivo, escroto, mala com a desculpa de que está sendo honesto” ou de que apenas é sonso (“desligado dos códigos de etiqueta”).

Nesse ponto (como em todos) eu sou totalmente platônico: quem comete injustiças faz um mal sobretudo a si mesmo.

Que hajam pessoas que são desligadas dos códigos de etiqueta e momentos em que uma honestidade acaba trazendo um mal-estar é normal. Os malas que tou falando são aquelas que se comportam como se os outros não conseguissem percebesser que estão apenas se fazendo de sonso/honesto.

October 20, 2022

A posição institucional do ensaísta

Pensando a ideia de public scholar” nacional, sobretudo lembrando de um ensaio recente que li da própria Merve sobre a forma ensaio: https://nybooks.com/articles/2022/11/03/the-illusion-of-the-first-person-merve-emre/

E acho que tem uma coisa meio ingrata na forma do ensaio, quando se pensa para esses vôos não-acadêmicos, pois ele acaba caindo em lugares-comuns que me incomodam: o ensaio pessoal (comentado ali), a resenha literária que discute mais de um livro ou um pastiche benjaminiano.

Isso tudo se relaciona com uma discussão que levantei uma hora no blog (e que acho que ficou subdesenvolvida, mas que acho que tem chão para percorrer), sobre as expectativas que surgem quando nos aproximamos da imagem de intelectual.

E o interessante do ensaio da Merve (para retornar ao texto inicial) é que ela elabora uma micro-genealogia das práticas de escrita que não se resumem à associação do ensaio como uma prática confessional. Esta, no caso, é apenas uma variante bem recente (apesar de semelhanças).

Eu acho que isso se torna ainda mais complicado no momento em que escrita parece estar se tornando um artefato insustentável enquanto opção profissional.

Cada vez menos realizada por quem tem grana e não precisa de dinheiro no trabalho, cada vez mais feita por quem precisa pagar as contas e por isso acaba assumindo a forma de um bico, ou algo mal pago ou como algo que se faz no tempo livre por quem tem outros corres.

Ficou tudo muito solto aqui, mas o que acho que tem me incomodado (sobretudo trabalhando com escritas que não são para mim nos últimos dois anos) é que os espaços de circulação de texto (que tem qualquer perspectiva de darem retorno profissional) são inflexíveis demais.

A gente tem uns modelos que podem ser divididos em alguns tipos que estão presentes nos espaços de maior circulação escrita. Tem, por exemplo, a figura tarimbada e estabilizada que desce do seu pedestal da sabedoria para enunciar pepitas epistêmicas (sempre as mesmas).

Tem também as figuras, atentas aos movimentos da moda, às novidades (importantes, pois a moda me parece um vetor de novidade que ajuda a reciclar as cenas) que não tem ali um prestígio, mas que conseguem aproveitar-se da moda ser mais próxima do que elas fazem.

No Brasil a gente não parece ter tanto espaço para o ensaio pessoal (coisa de americano?), mas eu diria que de alguma forma ele aparece pois tanto o acadêmico público quanto aquelas pessoas que dependem das modas parecem estar também numa corrida para fazer uma marca”.

E não há o que reclamar dos indivíduos que entram nesse jogo de construir uma marca, uma personagem autoral literária, pois no fim das contas (sobretudo daqueles que não tem o espaço e a segurança do tarimbado) o que importa é conseguir se sustentar materialmente trabalhando.

O efeito, porém, é que é chato. Uma coisa meio previsível em que você consegue imaginar a forma, sobretudo com uso e abuso do termo ensaio para justificar qualquer tipo de forma que não seja ficcional e nem seja um artigo acadêmico (que seria supostamente ancorado em refs).

Eu acho interessante e engraçado ao mesmo tempo isso. Pois por um lado, eu concordo: acho que se há algo que chamamos de ensaio é justamente uma liberdade na hora de escrever, um esforço experimental que expande o campo do não-ficcional ao negar de maneira determinada estilos.

O problema é que a maior parte das pessoas que se arroga” ensaísta é que ou a pessoa fica ali num lenga lenga de mas montaigne, mas os românticos, mas benjamin” e tudo o que se faz é falar sobre a arte dos ensaios.

A outra alternativa é só fazer o pastiche dessas formas. Ou seja, assume-se ensaísta para fazer resenhas que comentam mais de um livro ou para fazer um texto melancólico, fragmentário, com a desculpa de que é seu tempo mas que só parece uma cópia barata de Benjamin/Lukacs.

Só acho engraçado que” és tão livre para escrever e acaba sempre escrevendo a mesma coisa, da mesma forma, com os mesmos códigos. Bem, de certa forma isso me parece até inevitável, já que a negação de determinados códigos e estilos é seguida pela sua organização institucional.

Ainda assim, não consigo me satisfazer com isso. Mesmo quando vem textos legais assim (e existem, claro), me dá a mesma sensação de quando premiaram a Gluck ao nobel. Muito massa premiar uma poeta modernista de 1920, mas pena que estamos em 2020 e mundos e fundos aconteceram.


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