August 16, 2020

O não-lugar em que a filosofia ocorre

Pensando no Mênon e acho que o efeito da filosofia é difícil de mensurar pois ele não ocorre em algum lugar”. Acho que por mais que os estóicos (por ex, já que são os mais engajados nesse aspecto) elaborem uma série de exercícios para produzir a boa vida, não é exatamente isso.

Eu acho que a coisa é uma espécie de produção/variação de perspectiva. Uma certa conversão do olhar fruto do próprio deslocamento. Agora claro, quem nos desloca não é a filosofia (e isso eu acho que é da ordem da prática). O papel da filosofia seria o que então? Atentar pra isso?

Também não tenho certeza, mas é uma das razões de eu gostar tanto do texto do Gerard Lebrun sobre Platão. Eu sinto que o que se desenvolve é uma espécie de aprendizado sobre como navegar entre diferentes perspectivas, como tornar menos doloroso.

O que não significa acabar com o sofrimento, acho que isso não é algo que tem fim, acho que é algo que de fato dá trabalho” (e muitas vezes gera outros problemas pelo tanto que sensibiliza). Não é fácil justificar como a filosofia torna alguém mais feliz.

Ainda assim, voltando pro Mênon, acho que tem uma certa experiência que ao menos torna as coisas mais visíveis por meio desse diálogo da alma consigo mesma (o que não significa que seja algo solipsista, pois o contexto socrático é sempre dialógico).

Enfim, acho que no fim é uma certa forma de olhar pras coisas sem que a forma que a gente olhe ou o que a gente olhe esteja pré-determinado. É uma posição complicada (que acho que ajuda a explicar as >errâncias< e variações na história da filosofia).

Pois acho que é um lugar esquisito em que nem se arroga uma lei geral (e mesmo a lei moral de Kant, tomada como exemplo de universalismo provinciano máximo, tem uma certa beleza pelo seu caráter radicalmente vazio) e nem uma aceitação de uma singularidade inefável.

É como se tivesse uma certa resistência ao irredutivelmente singular pela incorporação do caráter social dentro do pensamento (o dialogismo, a abertura para a tentativa de construir sentido coletivamente) sem que também se satisfaça em universalidades chapantes (daí as aporias).


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