March 8, 2021

A especificidade da autonomia da filosofia

Uma coisa que eu acho doido da filosofia” é que é um campo/área sem determinações exaustivas do seu gênero ou da sua metodologia. É nesse sentido que acho ela um campo sui generis e que faz dela ser tão difícil. Cada texto acaba trazendo junto também uma delimitação do que é.

Não dá pra fazer uma leitura rápida demais pois as próprias regras da leitura estão articuladas com o texto. E ao mesmo tempo comparar com outros textos de filosofia nem sempre ajuda pois são sempre mobilizações de estratégias retóricas e metodológicas nem sempre conciliáveis.

Acho que por isso em alguns momentos eu penso na filosofia mais como essa prática de um tipo de leitura que se autonomiza dos seus contextos. Não por dispensar de um conhecimento histórico, mas por ser também um tipo de texto que não pode *apenas* ser lido a partir dele.

Por isso que tomo pessoalmente a generosidade como uma espécie de princípio de leitura (e por isso suspeito demais de leituras críticas). Pois ainda que seja possível encontrar problemas nos textos, não raro os problemas são também coisas que botamos lá.

Acho que por isso me *espanta* sempre quando rolam umas discussões sobre termos ou palavras usadas para descrever conceitos e ao se explicar eles afirma-se uma espécie de inequivocidade do seu sentido. Como se fosse uma espécie de estupidez não entender que x é y e só.

Ou quando se afirma que pensador tal ou tal delimitou de modo final e absoluto uma certa questão. Deu por encerrado o que está ali e conseguiu formular uma descrição definitiva de um conjunto de ideias, conceitos etc.

Inclusive acho que nesses casos o que se faz é justamente subtrair um caráter **próprio** da filosofia que é justamente essa autonomia que os textos parecem ter, que é talvez um certo grau de liberdade na medida em que toda filosofia é também a sua metafilosofia.

Não quero dizer com isso que a crítica não é possível, só que é muito difícil. Muito difícil criticar um texto sem também recair numa espécie de relação heteronômica, que acabe julgando o texto por critérios que nos eximem da responsabilidade de levar a sério o que é discutido.

O que não quer dizer que é também para delegar ao texto todo o trabalho de pensar. Acho que isso é apenas uma forma invertida da relação heteronômica com o texto, uma espécie de fetichização que falseia a autonomia/liberdade própria da filosofia.

Acho que é o que a gente acaba vendo quando se defende um texto se apelando para uma certa superioridade epistêmica/mágica do autor, alguma aura de gênio que na verdade torna o texto inalcançável e que poderíamos apenas aspirar uma mera explicação.

É uma relação perversa com a autonomia em que se usa a autonomia para abdicar de qualquer responsabilidade no ato de leitura. E por isso (tenho ciência de que elaboro isso de modo meio confuso) que a autonomia é um equilíbrio delicado que não deve pender para nenhum dos lados.

Por isso que acho que preservar esse senso de falta de lugar da filosofia, essa impossibilidade de apelar *em última instância* para critérios prontos e importados (de dentro ou fora), é uma forma de permitir que a aventura da filosofia (ah a breguice!) possa continuar viva.

February 26, 2021

Notas sobre as duas mortes’ de Junho de 2013

Isso é certamente um comentário ingênuo de quem desconhece a literatura e foi um participante marginal” (participava mas não era organizador de nada). Mas as vezes olhando pra trás eu tenho a impressão de que junho de 2013 foi mais uma saturação de um ciclo do que um começo.

Claro que no momento a impressão que eu tinha (pelo que lembro) era que parecia — e é uma impressão que em alguma medida sinto ser incomunicável pra quem não tava lá — o início de algo novo, de algo diferente (bem, sempre fui muito ingênuo politicamente, aind aque foi bonito).

Com o tempo acho que não apenas uma certa tendência conservadora predominou (sem que aquele instante tenha sido conservador em si) mas que também aquilo foi mais uma espécie de fim que nos jogou num estado entre duas mortes (como Antígona).

O que penso aqui (a partir de leituras de orelhadas de outras pessoas) é aquela distância entre a morte simbólica e a morte real que acontece na peça quando ela é excluída da vida social mas continua ainda assim viva (e de uma forma esquisita — ou sublime, como falam).

Penso nisso pois certamente muito das transformações positivas que ocorreram no Brasil nos últimos 20 anos acabaram subindo à superfície, se tornando visíveis naquele momento. Não que fossem invisíveis antes, mas se tornaram algo que não se pode não ver.

A morte simbólica que tou pensando seria então que essas conquistas se tornam visíveis mas, em certa medida, por não poderem continaur (ao menos não como antes). Como se fosse a sua interrupção que fizesse elas submergirem no momento que foram desamparadas.

Daí que acho um momento esquisito. Pois as conquistas estão interrompidas (ou mesmo entram em retrocesso) — e isso seria o que tou chamando de morte simbólica delas. Mas ainda assim estão aí, vemos os frutos desses progressos e dessas lutas ainda existindo.

Basta ver as universidades. Ainda que estejam sofrendo um retrocesso imenso, o fruto dos avanços enquanto não havia ainda a morte simbólica ainda está lá (ainda que talvez seja esse justamente o esforço de conservadores, matar realmente aquilo que já está morto simbolicamente).

Mas num sei. Enfim. Também acho que isso aí num tá muito claro, mad é o que tem pra hoje. (e com certeza devo ter feito alguma confusão com a noção de entre duas mortes”, mas tudo bem, não tava mirando numa adequação).

February 18, 2021

Dificuldades da leitura contextualizada e da leitura imanente da filosofia

Eu fico tentando conciliar na minha cabeça sem sucesso duas ideias que acho que a princípio se opõem entre si. Por um lado acho que textos filosóficos sempre ficam mais ricos quando entendemos seus contextos (históricos, filosóficos etc).

Por outro lado, acho que se um texto filosófico não consegue se sustentar sem que ele seja lido contextualmente, de maneira relacionada a um conjunto específico de termos, então ele é um fracasso. Ou seja, os textos são tanto mais ricos quanto mais autonomizáveis.

Essa segunda ideia talvez esteja meio caricaturizada, mas tem a ver com tentar pensar o caráter transformativo que a filosofia deve ter. O que implica que em alguma medida é menos sobre o texto e mais sobre os efeitos do texto. Mas claro, difícil pensar isso sem relativismo bobo.

Como sempre eu estou implicitamente lendo a filosofia a partir da literatura. Acho que lá esss questão aparece de modo mais explícito, essas duas demandas.

February 16, 2021

Práticas institucionais para organizar desavenças filosóficas

Pensando aqui que acho que eu tenho mais desejo de tornar o campo de circulação de ideias menos tóxico, mais aberto, mais poroso, do que de fato pensar qualquer coisa que seja *interessante*.

Tenho pensado muito na ideia da filosofia como uma forma de socialização. Queria conseguir elaborar isso sistematicamente. Mas acho que passa também por desenvolver ou retrabalhar as próprias dinâmicas interiores ao meio.

Minha cabeça be like: é só resolver as formas de interação entre quem pensa num mesmo campo que tudo vai se ajeitar e o que tem que ser pensado vai ser pensado.

February 16, 2021

A dificuldade e o desejo de mensurar a grandeza literária

Vendo a recepção do Torto Arado (no início elogios - depois ressalvas - depois elogios de novo) e fico pensando como é difícil ler as coisas e dimensionar as leituras a ler pois parece que toda recepção já é hiper midiatizada (pelo menos pra mim o hype atrapalha a visão).

São sempre superlativos demais. Ou é incrível ou está aquém de ser incrível. A impressão é que fora uns medalhões que construiram suas obras em outro momento, tudo agora é sempre avaliado nos termos de o próximo grande clássico”.

Eu tenho na minha cabeça que isso é um dos efeitos da polarização que tinha ali ao longo dos anos 2000 entre os Franzen e os DFW da vida. Acho que a questão deixou de ser o grande romance nacional” e se tornou a grande obra clássica”.

Eu até acho que tem experiências incriveis no XXI na literatura. Acho que tanto a tetralogia da Ferrante como a obra do Karl Ove são experiências estéticas *marcantes*. Acho que a Cusk também faz algo impressionante (sem falar também de toda a obra da Carson). Mas é difícil ver.

No Brasil acho dificílimo falar. Eu não estudo essas coisas e nem aspiro acompanhar (o circuito literário me deixa broxado). Mas acho que tem uma ressaca muito forte de um bando de coisa, e uma das obras mais impressionantes que li (“O livro dos mandarins”) passou batida.

February 15, 2021

A pluralização dos pontos de vista possíveis sobre uma filosofia

Uma das coisas que mais da gastura na filosofia é o quanto basta alguns idiotas se associarem à sua posição pra ela ser reduzida à sua face mais estúpida sem qualquer chance de retorno.

Claro que má fé e preguiça são estratégias legitimas de reduzir o campo de interesses a uma dimensão efetivamente manipulável. Ainda assim eu sinto que os efeitos sociais (não numa esfera pública abstrata, mas num campo de afins) desse procedimento são ruins quando publicizados.

Eu sou meio ingênuo e bobão nesse campo. Mas sinto que se algum parceiro afim (sem que precise convergência total) tenha algum interesse numa formulação, numa referência etc que você não curta, talvez o mínimo que se possa fazer seja ter boa vontade nessa hora?

Ter boa vontade singifica operar uma espécie de operação transitiva em que se pensa que talvez se alguém com quem eu convirjo em alguns pontos curte algo que eu não gosto, talvez seja possível que essa coisa que não gosto seja visível de outra forma que a torne mais fértil.

E claro que isso não significa que você precisa atualizar essa transitividade (embora eu confesso que acho muito bom, ajuda a se deslocar de si mesmo), mas só de manter a porta aberta sinto que isso é melhor pras ideias circularem. Mas claro, isso é uma visão meio boba, eu sei.

Tantas discussões imbecis poderiam ser evitadas se talvez se percebesse que quando o amigo — que você respeita e pensa junto em muitos momentos — mobiliza a dialética/rizoma talvez esse conceito ou essa operação sejam pensadas de formas diferente da forma como você pensa.

Sem contar a soberba embutida que é acreditar que algum conjunto de procedimentos conceituais específicos é mal de forma inerente e não pode justamente ser re-enquadrado ou re-contextualizado em outra situação.

Isso não quer dizer que é impossível se criticar algo, mas justamente que fazer crítica é algo de fato difícil e que não é simplesmente projetar nos seus inimigos a imbecilidade que você enxerga neles. Difícil é mensurar a distância entre o que você sente e o que a coisa é.


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