March 23, 2021

O desvio histórico da filosofia brasileira

Uma tese do Paulo Arantes é bem simples e direta: Claro que a ideologia francesa vai ser mais visível se a gente tem perto pra comparar um acesso à tradição epistemológica francesa (coisa que estava disponível na USP mas não nos outros lugares onde a french theory bombou).

Toda a bibliografia corrente sobre filosofia francesa que rola na gringa é a galera descobrindo que french theory não é um pensamento mágico, mas que o pensamento de Derrida, Deleuze, Foucault etc tinha uma forte continuidade com uma tradição francesa de filosofia da ciência.

Acho que a tese do Paulo Arantes é um pouco: sim, nós não cedemos ao modismo” e pagamos de provincianos ou marxistas. Mas não por serem fechados, mas que por acaso o departamento da usp tinha sido formado justamente a partir de uma tradição de segundo escalão francesa.

Acho qeu a hipótese aí é que no lugar do departamento ter sido formado a partir das modas existencialistas/fenomenológicas, o que foi mais estruturante ali foi essa corrente secundária, menos internacionalizada (e que circulou menos o mundo), mas que deixou eles preparados”.

Mas esse preparo é um golpe de sorte. Não é nenhum destino que faz com que o departamento uspiano apareça de modo triunfante. Pelo contrário, é um preparo que justamente marca sua condição periférica e colonial na estrutura internacional de circulação de mercadorias acadêmicas”.

Se a questão é desmascarar o triunfalismo uspiano eu sinto que é mais jogo investigar o que fez as elites paulistanas fazerem uma missão francesa que tinha como objetivo modernizar a universidade mas que (no campo das humanas) acabou trazendo apenas autores de segundo escalão.

Não que sejam professores/teóricos ruins, óbvio que não. Mas não era um Bergson que tava vindo pro Brasil nos anos 30. Era gente nova, gente que depois ia se tornar famosa (ou nem tanto, apenas excelentes historiadores/epistemólogos).

Fica parecendo aquelas situações em que um time de um campeonato sem prestígio e sem grana pra contratar uma estrela, acaba tornando um jogador menor uma espécie de ídolo por conseguir jogar à altura do campeonato (tendo as vezes fama até maior do que os de maior qualidade”).

Só quem torceu muito pra Sergio Manoel pra conseguir dimensionar as continuidades e distâncias com um Seedorf envelhecido.

March 23, 2021

Dois diagramas sobre a prática filosófica

diagrama geral da filosofiadiagrama geral da filosofia

(feito em 2018)

diagrama da filosofia platônicadiagrama da filosofia platônica

(feito em 2020)

March 22, 2021

Os efeitos de uma concepção excesivamente performativa da linguagem

Pensando numa coisa que o amigo Gabriel Tupinambá fica repetindo e que aos poucos vou absorvendo: quando as palavras resolvem a situação, quando enquadram um problema bem, é muito fácil a gente cair na ilusão de que tudo foi resolvido (ou queremos acreditar que já fizemos esforço).

Parece que vivemos os efeitos indesejados de décadas de filósofos da linguagem muito sofisticados falando para nós da performatividade da linguagem e dos discursos”. É tão interessante esse campo que abriram que sinto que acabamos acreditando um pouco demais do que deveríamos.

Uma coisa meio fazer pedido pro gênio e ele interpretar de outra forma: faça a linguagem ser performativa”, faça com que nossas palavras sejam como ações”. Só que no lugar das palavras se tornarem eficazes foram as práticas que foram desinfladas e se tornaram discursividades.

March 21, 2021

Sobre o descaso pedagógico pela filosofia

Eu acho que é um tiro no pé enorme da cultura filosófica” que questões pedagógicas não sejam prioritárias (ou que sejam menos marginalizadas do que são agora).

E quando falo desse elemento pedagógico não falo de um modo que as outras pessoas devem aprender conosco” pra agir/pensar corretamente. É algo diferente disso. É tornar a nossa tradição mais facilmente disponível para que façam o que quiserem com ela.

Claro que isso não é um vale tudo, mas acho que mais importante que tentar defender qualquer primazia do filosófico, acho que mais vale tentar comprimir (como ele fala ali mesmo) de modo que seja mais facilmente transmissível sacrificando o mínimo da especidicicade do conceito.

Por isso que acho que as coisas mais importantes que deveriam ser feitas é acabar com bacharelados (deixar apenas licenciaturas, pra marcar como é essencial). E claro, isso exigiria também repensar como seria a própria formação pra que não seja só um 3+1.

Algo que gostaria de ver tb seria a tentativa de dialogar com outros cursos pra permitir a oferta de filosofia em cada vez mais cursos. Acho que a filosofia deveria abraçar sua vocação de ser a mosca socrática que incomoda. Isso deveria ser tão central quanto o ensino interno.

March 18, 2021

As demandas de um pluralismo filosófico

Uma coisa que venho pensando bastante é como querer que certos campos ou tradições circulem mais com a exigência simultânea de que ao lidar com esses campos a pessoa seja quase um especialista neles, ou que tenha um domínio do que está em jogo ali.

Eu totalmente entendo a necessidade de que ao se deparar com um texto é importante conseguir dimensionar bem seu contexto e suas questões (ainda que de forma abreviada) para não apagar suas especificidades e transfomá-lo numa pasta genérica que serve pra tudo.

O problema é que muitas vezes é difícil ter a medida certa do quanto e como é que se consegue obter esse dimensionamento adequado. Daí que não são poucas vezes que essa exigência é transformada de modo rápido demais em uma demanda pela pessoa se informar sobre a bibliografia”.

Não que não seja interessante, e não seja necessário. Mas tem dois problemas aí. O primeiro é o mais simples, que é a questão da finitude do nosso tempo. É impossível que a gente consiga dar conta de tudo, de todas as bibliografias e também acabar pluralizando nossas ideias.

Por outro lado, acho que se a gente realmente aspira a um certo pluralismo de ideias então é importante também aceitar que as ideias vão circular para além dos seus contextos, que elas vão ser capazes de afetar quem vem de outros campos de forma diferente de quem é daquele campo.

Ou seja, não falo aqui de um afetar que vai reduz a coisa a uma pasta, mas que de fato há um sweet spot” em que a coisa consegue se autonomizar de seu campo de origem sem que ela se transforme numa pasta genérica e narcísica. E claro, encontrar esse ponto de cozimento é difícil.

Enfim, acho uma questão difícil, pois o mais comum (e que justifica em parte a irritação de quem tá envolvido na área de origem) é que quando um conceito ou autor sai de sua área ele tende a circular de forma empobrecida.

Por outro lado, também não parece ser possível ou desejável que todos se tornem especialistas em todos os campos. Não me parece que é isso que seja pluralizar nossas leituras e referências. Enfim, questões difíceis. Difícil viver na era da PAZ DISSENSUAL.

Ah sim, um adendo. Acho que isso vale também para o caso de criticarmos autores (embora isso talvez seja mais difícil). Acho que criticar coisas é sempre bem difícil, acho que é muito fácil entrar ressentimento que cega a parada e que fecha qualquer leituras possíveis.

Pois também é um pouco insuportável você ler um autor — mas imaginemos um mundo onde o ponto de cozimento foi alcançado —, encontrar problemas, querer comentar e vir a crítica de que você não conhece ele suficientemente”. Porra, o limite do conhecer suficientemente” é infinito.

E aí a gente fica nessa, criando também monumentos imperturbáveis que só reforçam a lógica de que ou você aceita ou não aceita aquele conjunto de ideias (que acaba se consolidando com doutrina). [claro, eu tou caricaturizando aqui]

E entendo, assim como no outro ponto, que tem gente que aproveita seus próprios moinhos pra cagar nos conceitos ou nos autores que curtimos, que lemos, que vivemos. Mas ainda assim não me parece que a solução mais sábia seja essa de simplesmente criar um bloqueio dessa ordem.

Agora como a maior parte das críticas eu acho que realmente tem esse ponto cego que mencionei (de não serem capazes de entender que os textos e conceitos podem ser recebidos de formas completamente diferentes da nossa perspectiva), dá pra entender quem se irrita com críticas.

De novo, uma situação muito complicada e que o caráter de crítica” acho que torna ainda mais difícil.

March 15, 2021

Ideias para a sindicalização” da filosofia

Ideias que eu tive pra pensar a futura Sociedade de Profissionais Precarizados da Filosofia (e eventualmente descobrir se alguém já faz isso):

1. Polo de convergencia de diversas lutas e articulações politicas envolvendo a filosofia e suas fronteiras profissionais (desde iniciativas como IOE e APPHs até sindicatos de professores e assim por diante)

2. Luta por repensar modelos de publicação e avaliação do profissional de filosofia que contemple o cenário precarizado.

3. Inventariar e mapear possibilidades de trabalhos e serviços ligados ao campo da filosofia mas sem ser professor.

4. Pensar a reforma da graduação em filosofia para privilegiar à formação de licenciatura e lutar por tornar esse campo de trabalho disponivel para o profissional da filosofia (se associar com grupos do campo que já se engajam nessa luta).


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