April 14, 2021

O antiutopismo de uma certa esquerda centrista

Uma das coisas que me deixa pistola no campo da esquerda é como tem uma parte dela cujo desejo é menos alcançar outras bases do que aparentar” ser uma figura democrática e madura” o suficiente para conversar com campos de centro e direita. Tem um antiutopismo aí triste.

E quando marco essa questão do aparentar”, é que eu acho que há vários desejos diferentes aí (de ser razoável”, de se penitenciar pelos totalitarismos” etc) que leva essa parte da esquerda a querer passar a imagem pro campo da direita que eles conseguem conversar.

E tudo isso muitas vezes recheado de umas justificativas de que a esquerda está longe do que o povo realmente quer” ou variantes do tipo, que precisa se reconectar com as bases”. E como que se faz isso? É trocando ideia de modo civilizado” com o filhote do Gianetti?

O que me incomoda nesse gesto é que no esforço de se desvincular de uma suposta fraseologia do campo de esquerda, acaba-se acreditando demais na fraseologia do campo de direita. Como se esse campo fossem os colunistas que ocupam as infinitas colunas da folha.

Foca-se em amenizar as distâncias discursivamente, tentando atrair centristas e conservadores que não caiam na bárbarie, afim de, com isso, conseguir produzir uma esfera pública mais razoável que acabaria ecoando de volta nas práticas políticas.

(Ignoremos aqui o fato de que essas pessoas de direita quando tiverem a chance vão puxar o tapete dessas pessoas de esquerda >civilizada)

Preza-se mais produzir um discurso razoável do que propriamente investigar essa distância entre fraseologia de massas conservadores/liberais. Acho que tem um lance que é difícil precisar mas que é importante explorar que é a distância entre o discurso assumido e as práticas.

A minha impressão é que nem sempre a postura ou o discurso conservador explica ou limita completamente a movimentação política de certos grupos conservadores”. Dá pra ter ações bem progressivas em grupos que são dominados por coisas inaceitáveis no discurso de esquerda.

Não tou aqui falando que o componente discursivo não é importante, que ele também não afeta em nada a situação. Mas tenho a impressão que se toma essa correlação entre discurso e prática rápido demais para se evitar sujar as mãos, cooperar com pessoas que pensam diferente”.

O que tou dizendo de modo confuso é que no fim das contas é muito mais cômodo afinar o discurso com um liberal e um conservador do que de fato lidar com diferenças na hora de construir uma luta política ampla que nos obriguem a escutar coisas que achamos (e são) abomináveis.

E se acho que existe um antiutopismo nesse gesto de preferir as aparências, é que restringe-se a disputa política a uma luta palaciana de quinta. Nem é de primeira pois fica restrita aos colunistas. No fim das contas vira uma disputa ética (num sentido bem pobre).

Enquanto a disposição para lidar com pessoas que pensam efetivamente diferente (a ponto de os discursos enojarem) talvez nos dêem um critério melhor de que estamos efetivamente no campo da política (pois num é questão de se conciliar no campo da palavra). Me parece mais utópico.

April 12, 2021

A crítica ingênua como algo que deve ser entendido

Teve um meme sobre isso e me lembrei que um gênero literário que amo que é: alunos de primeiro período refutando grandes autores”. Acho que é um gênero subvalorizado pois ele costuma ser levado apenas como deboche quando poderia ser ocasião de precisar os motivos da crítica.

Infelizmente nem sempre temos tempo para lidar com isso, mas se por um lado é óbvio que pode ser ingênuo fazer certas críticas, ao mesmo tempo a reação não deveria ser bloquear um movimento que pode ser apenas uma forma de lidar com a estranheza inicial de textos de filosofia.

Se a gente tem paciência pra aceitar críticas bobas e bestas de gente graúda (e muitas vezes a gente até bate palma), porque não de um aluno que tem muito menos recursos? Gente foi mal vou parar com a CRÍTICA PEDAGÓGICA FODA bom dia pra vocês.

Um adendo: eu não acho que as críticas refutam qualquer autor (inclusive acho que a ideia de refutação é uma besteira), mas eu acho que o exercício de explicitar e elaborar as razões para a suposta refutação ajudam a tornar os nossos pensamentos mais precisos.

A precisão aqui acaba sendo portanto um refinamento da impressão e intuição que inclusive pode ir em direções que o refutar inicial é a coisa menos importante. No fim acho que é mais uma forma de tentar incentivar o ímpeto e o gatilho que qualquer outra coisa.

April 7, 2021

O elemento figurativo da filosofia (Paulo Arantes e Auerbach)

Tem uma coisa que eu gosto em alguns comentários do Paulo Arantes, mas que acho que passa muito desapercebido (e quando confrontado ele evita) que é o recurso ao problema da mimesis e do Auerbach (esse tema aparece e ele foge no Fio da Meada). Acho que tem algo aí de fundamental.

O caráter mimético de certos pensamentos. O que significa um pensamento se parecer com algo real ou não. Sim, são problemas clássicos (oi, O Sofista), mas acho que posto a partir dos termos do Auerbach acho que um campo se abre.

A importância do Auerbach (mas que acho que é complementado por preocupações ideológicas”, como as do Paulo Arantes) é que esse caráter mimético é histórico, se transforma. E acho que isso é uma peça importante do quebra-cabeça (de novo, inventando a roda).

April 5, 2021

Notas sobre aprender a escrever

Voltei a me reanimar com o projeto que precisava escrever pro concurso da UFRRJ. Pena que eu preciso escrever cerca de *faz as contas* 50k caracteres até voltar a tocar nesse projeto.

Uma coisa dá pra dizer. Eu tive que escrever tanta coisa depois da tese (nem tudo foi publicado, o mínimo na verdade), muita coisa pra concurso, pontos que jamais foram usados, que acho que nesse processo consegui ir me livrando de algumas procedimentos que me irritavam na tese.

(fui checar) a tese te 848k caracteres kkkkkkkkk

Pra quem tem neura de escrever pouco. Eu não escrevia quase nada na graduação (sempre me senti mal com isso). Sofri pra escrever 20 páginas na minha monografia. Depois na minha dissertação eu até escrevi bastante (umas 140/150), mas eu era muito econômico, não escrevi nada além.

Na tese eu desembestei (mas usando o procedimento tosco e cansativo de quem nunca teve pratica com escrita: bloco de texto + comentários over and over. pena da minha banca). Fiquei muito mal com isso (sobretudo quando tava terminando a tese).

Depois da tese (a partir do início de 2018), por conta de concursos e de mil projetos eu acabei escrevendo muita coisa que nunca foi publicado mas que acabava me obrigando a escrever num formato menos citacional. Comi o pão que o diabo amassou mas de certa forma foi libertador.

Não recomendo a ninguém, foram três anos infernais (ainda estão meio complicados), mas o único lado positivo é que me fez largar um pouco aquela postura citacional (que era muito de alguém perdido) e também parei de neurotizar com escrever textos que não vão ter destino.

Há ainda algo a se dizer sobre como escrever no twitter também contaminou o jeito que eu escrevo, mas aí é outra história.

April 5, 2021

A coincidência de tomar seu ponto de vista teórico como o correto

O curioso caso de achar que justamente aquela teoria/conjunto de conceitos que você acaba olhando com mais atenção e por mais tempo é a mais consistente que existe.

Mas que surpresa que a doutrina menos problemática, mais sutil, mais sofisticada e menos caricatural acabou sendo aquela a que me dediquei desde sempre. Que sorte a minha!!

E pra que fique claro, acho que o problema não é se apoiar exclusivamente em uma determinada corrente teórica (embora eu de fato ache que ser monolingue no campo da teoria facilita o deslize), mas inverter a ordem das coisas e tomar a elaboração teórica como finalidade em si.

Ou seja, transformar aquilo que é uma ferramenta de leitura e organização, que nos auxilia na orientação diante do mundo, da experiência etc em objeto último de investigação. E claro, não é também por idiotice que esse deslize acontece (embora isso esteja ainda turbo pra mim).

Minha impressão é que há um efeito aí do próprio *trabalho teórico*. Que no esforço de afiar e afinar suas elaborações teóricas para que a coisa seja mais manejável, que o ato de cuidar das ferramentas” se sobreponha ao uso das ferramentas.

Mas de novo, não que seja um desvio de alguém idiota. Sinto que esse deslize acontece pois as próprias ferramentas teóricas são coisas que parecem existir apenas a partir do momento em que elas são afiadas/afinadas, em que nós interrompemos o uso para entender como vemos.

Mas como esse cuidado das ferramentas pode se alongar indefinidamente (já que elas não teriam nenhuma referência absoluta que daria um limite pra sua re-elaboração), parece que tem uma tendência a deixar a coisa sair do controle e a teoria se tornar um fim em si mesma.

Era um pouco sobre isso que falava quando comentava a estranheza que nos cursos de filosofia se discute menos prisões e sociedades disciplinares com auxílio do Foucault e sim *o conceito de sociedades disciplinares* que se autonomiza de seu chão histórico e social.

April 3, 2021

O possível campo de ideografias”

Se (numa definição vulgar mesmo, sem preciosismo) o campo de estudo das *formas* literárias é a poética, então o campo de estudo das formas das ideias’ é a _______ ?

Pensei em lógica e ideologia, mas ambos parecem problemáticos. Lógico parece se associar a uma investigação abstrata, que não é o caso (pois penso nos termos de uma investigação que seja também histórica). E ideologia acho que já tem um viés muito específico embutido…

As pessoas que fazem crítica da ideologia” são as que tão mais próximas desse campo qeu tou vislumbrando, mas tem um exemplo que também veria nesse campo mas que não faz apenas crítica da ideologia” como geralmente se fala, que é o Pierre Hadot.

Obras que eu enquadraria nesse campo que tou imaginando: O que é a filosofia antiga?” de Hadot; Hermenêutica do Sujeito”, do Foucault; Isonomia” do Karatani; A sagrada família” e a Ideologia alemã” do Marx; quase toda obra do Paulo Arantes.

Eu também adcionaria o Inconstância da alma selvagem” e o Metafísicas canibais” do Viveiros de Castro, que acabam também fazendo análises nesse sentido que tou falando, embora eu não sei se ele se reconheceria com essa galera.

Pensando aqui e o campo que tou tentando desenhar” tem como subcampo crítica da ideologia e é afim ao campo literário (com um Auerbach, por exemplo), que também teria como subcampo uma prática tipo” crítica da ideologia (Jamesons, Ngais, Schwarz, por exemplo).

Fiz um desenho mas ficou muito feio e fiquei com preguiça de enfeitar/ampliar (era mais pra eu elaborar depois):

mapa de referências da ideografiamapa de referências da ideografia

Uma descrição muito solta e muito vaga (a trabalhar, precisar, corrigir) do que tou pensando que uniria esse conjunto maior que chamei de filosofia” [e que seria o que eu tou procurando nome]:

É difícil de precisar, mas eu penso num campo amplo (talvez isso seja um problema s) que cobre desde as maneiras como as ideias se estruturam, como elas se relacionam com seu meio social, as funções que assumem, como são manejadas (como exercício espiritual, como fraseologia etc)


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