June 11, 2022

Os movimentos orbitais da pesquisa

Pesquisar pra mim é em alguma medida ficar percorrendo órbitas concêntricas sem necessariamente me dar conta durante o processo em que medida esses círculos se relacionam (isto é, qual é o fio que acaba no fim das contas, puxando eles e mantendo eles no mesmo eixo).

Essa dificuldade de ver a relação entre os círculos me faz achar que as coisas que penso e reflito são mais soltas do que de fato são. Por um lado dão uma liberdade para traçar novas órbitas sem me preocupar com uma eventual coerência.

Por outro lado (e talvez isso que esteja me incomodando nos últimos tempos e que tem me feito refletir), sem o momento de avaliação, de recuperação, as motivações que impelem essas orbitações acabam sendo ignoradas e o que teria de mais interessante é deixado fora da vista.

É como se esse momento de eventual conexão (que nunca é mais que provisória mas nem por isso deixa de ser firme) fosse o que permitisse a verdade daquele movimento se revelar, que o retira de um ecletismo vazio (mesmo quando divertido). Mas difícil demais fazer isso na prática.

May 30, 2022

Hesitações sobre a vida acadêmica

Ontem eu li isso aqui e fiquei meio abalado: https://www.chronicle.com/article/the-big-quit?cid=gen_sign_in

Fiquei especificamente afetado por esse trecho (horrível se reconhecer, ainda que parcialmente, nessa imagem):

In her memoir-in-essays Grace Period (2017), Kelly J. Baker explains how her preoccupation with job applications over five years of adjunct work eroded her quality of life so profoundly that she gave up the search altogether. Like a recently divorced person, she recognizes that her relationship with academe was troubled from the start. I both adored and loathed my training,” she writes. It took me a long while to figure out that what I was compromising might be too much to bear.””

Outro dia vi alguém no twitter falando algo muito certeiro: há algo na vida acadêmica que faz com que as pessoas sintam que desistir desse caminho seja encarado sempre na chave do fracasso ou de uma derrota. Acho isso muito real (pode haver em outros campos, mas não todos).

É quase como se algo na própria estrutura de uma vida dedicada à pesquisa (e nas expectativas que ela traz junto) produzisse essa sensação (que também se reflete na disputa por ocupar espaços que na média nem são tão bons para os fins inicialmentr almejados mas que também atam.

Isso não significa que seja um espaço melhor que outros, que haja uma derrota real, que a pessoa seja culpada. Mas não consigo deixar de pensar que reconhecer a singularidade desses espaços que produzem esses sentimentos é importante para entender sua força atratora.

Isso significa reconhecer que há ai uma promessa que não é possível cumprir totalmente. Que no ideal de uma vida que se pode dedicar à pesquisa acaba exprimindo também um certo desejo que não tem lugar totalmente nesse mundo devido à forma como ele se organiza atualmente.

Não que uma vida da contemplação seja superior, acho que isso é confundir a superfície com a conquista real que há ali. O que vejo ali é uma promessa de uma espécie de liberdade (que acho que aparece na figura da estabilidade do pesquisador, mesmo que na prática seja ameaçada).

Essa promessa se constituiu historicamente, teve uma função importante no desenvolvimento das universidades de pesquisa e levou de fato a uma democratização desse tipo de modelo de vida (ainda que esteja longe de ser efetivamente democrática na escala que seria necessário).

Também não acho que é único espaço de liberdade. Acho que é um momento em que foi possível conciliar liberdade de desejos com a possibilidade de reproduzir uma vida social. Na prática sabemos que ficou aquém da liberdsde de desejo e da reprodução social, mas é um belo fracasso.

Por isso que acho significativo essa necessidade dos que não conseguem permanecer de enunciarem uma espécie de luto. Pois há de fato uma derrota, um fracasso, mas não ao nível dos indivíduos que ou não ganharam estabilidade ou que se decepcionaram com a vida acadêmica real.

É um fracasso coletivo na medida em que essa solução demonstra limites. O que não significa que enquanto fracasso ela vai parar de permitir às pessoas participarem desse tipo de vida, mas que sabemos que há limites estruturais dessa promessa que no momento são intrasponíveis.

Acho que reconhecer esses limites, entender a dor (e o ressentimento de quem sai e quem fica) é um passo importante para podermos continuar a construção de espaços que tentem honrar esses desejos (por mais louco e irreal que sejam, talvez isso nos force a abandonar ilusões).

May 29, 2022

Três tipos de escritores

Após um sono meio insone chego à conclusão que existem três tipos de livros que importam pra mim (e suas respectivas misturas entre si):

  1. escritores infinitos em que cada frase é apenas mais um ponto numa sequência interminável sem começo ou fim (Murnane, Ashbery);

  2. escritores regrados em que cada livro é uma maquininha que roda como um reloginho independente (Carson, Perec, Aira).

  3. escritores que circundam obsessivamente verdades para construir uma enunciação firme e inteligível que não caia no informe (Ferrante, Cusk).

E claro, há misturas, há gente que não cabe aí, que ainda vou gostar, gente que não li e talvez abalaria esse esqueminha e diz também muito de como eu lido com ficção, com o que procuro na ficção (que de maneira telegráfica diria que tem a ver com uma certa liberdade da forma).

Pensando nisso pois tava tentando passar a raiva de ter acordado insone lendo coisas sobre livros e esbarrei sem querer no livro Ducks, Newburyport” da Lucy Ellmann que parece ser um caso do primeiro tipo de escrita que mencionei e que gostaria agora de ter disposição pra ler.

May 29, 2022

O desejo de retorno do trivium

2022 e tem gente querendo reintroduzir o trivium.

Eu sou totalmente a favor de explorar tradições que não são hegemônicas (seja coisas que foram deixadas de lado ou coisas que são marginais hoje em dia). Mas suspeito dessa ideia de que seja simplesmente uma questão de olhar para trás/lados para recuperar esforços anteriores”.

Tenho a impressão que o olhar para o passado ajuda a descristalizar o presente sem que seja possível simplesmente retomar/readaptar aquilo que está em outros momentos/margens. Acho que tem uma lógica de que conjuntos de outas ideias estariam disponíveis que acho esquisito.

O que me parece ser o caso é que ao olhar para outros espaços se esclarece como a configuração atual é uma configuração contingente e limitada que pode ser reorganizada segundo outras configurações. Como se percebessemos que o espaço de possibilidades é mais amplo do que vemos.

Se acho a ideia de retorno problemático (e cansativo essas narrativas que assumem que é substituir os paradigmas, como se fosse uma peça a trocar num motor) é por desconsiderar que há razões que implicam um conjunto de ideias ter mais força que outras que foram relegadas.

E que se aquelas forças tivessem capacidade de simplesmente tomar o lugar dos paradigmas atuais elas já teriam tomado. Por isso que acho que tem um trabalho um pouco mais complicado do que as imagens (francesas) de caixa de ferramenta geralmente fazem parecer.

E acho que as vezes a ideia de que podemos mudar de paradigmas” nos fazem acreditar que é simplesmente uma questão de ou estarmos presos em ideias erradas porque somos bitolados, estúpidos ou simplesmente atrelados a alguma ideologia que basta ser desmistificada para pensarmos.

Para ficar na lógica do Sérgio Ferro (e também na brilhante operação que o Gabriel e Edemilson fazem no Arquitetura de Arestas), é como se houvesse um modelo ideal normativo que bastasse ser seguido para que nossa capacidade de pensar se libertasse de seus grilhões atuais.

May 27, 2022

Autonomização de campos da filosofia

Hoje em dia uma das coisa mais angustiante pra mim de lidar com filosofia é a perspectiva constante de que em algum momento aquilo que se está discutindo vai ser substituída por uma análise de um campo autonomizado que ganhou consistência própria e não é mais filosófico.

Penso aqui na maneira como ciências (naturais e sociais e com maior ou menor consistência em sua organização como física, psicologia, ciência sociais etc) vão se destacando aos poucos da reflexão filosófica e vão se tornando autônoma e capazes de realizar juízos mais firmes.

É um passo importante que certos juízos da filosofia (que em última instância me parecem injustificáveis [cf. o conflito das filosofias, discussões de ceticismo] saiam da filosofia e ganhem consistência por conseguirem encontrar a sua solidez. Mas pra mim isso gera uma angústia.

Angústia pois qualquer coisa que se discute filosoficamente (seja lá o que for isso), vai provavelmente ganhar solidez maior em outro campo (pois é assim que funciona, é da natureza da filosofia ela não ter essa solidez, que também lhe confere uma certa liberdade).

Daí essa coisa meio esquisita que boa parte dos juízos que se faz só vai poder ganhar firmeza e consistência quando deixar de ser filosofia (mesmo que os outros campos não estejam eles próprios totalmente firmes e sólidos — como parece ser, à distância, as ciências humanas).

É como se desse ponto de vista a filosofia tivesse uma obsolescência programada (mesmo que essa obsolescência de fato não chegue nunca, ela está ali como possibilidade inscrita na própria filosofia). O que fazer diante desse impasse é um pouco o que tenho tentado entender.

May 26, 2022

Sobre fazer apostas na formação acadêmica

Minha impressão sobre a academia hoje em dia vai nessa direção. Não que eu ache que as pessoas devem deixar de se importar com as demandas do campo, mas não sugiro fazer que nem eu que fiz um hedging que me deixou num espaço meio incômodo sem ter pra onde ir academicamente.

Não que eu tenha feito um erro, acho que foi uma aposta que tinha espaço em um certo contexto. Ter uma formação suficientemente sólida historiográfica mas sem me tornar totalmente um especialista para poder lidar com os problemas filosóficos contemrporâneos que me interessam.

Naquela época o mercado era outro, as expectativas eram outras. Quando o mercado começou a encolher acho que deixou de ter espaço para esse tipo de perfil intermediário” (e em certa medida ilegível” na academia por não ser nem diferentão demais nem reconhecível demais).

Se fosse refazer meu percurso com o que sei hoje, acho que eu certamente teria me concentrado em ir mais cedo para os problemas que me interessam sem perder tempo com certos desvios que me imponho (e que ainda faço pois difícil evitar a certa altura quando me tornei isso).

Claro que sabemos do atraso de conselhos (e até de um conselho que é mais direcionado a mim mesmo). Mas de fato acho que nessa circunstância de precariedade (e considerando o futuro ominoso das universidades no mundo inteiro) mais vale apostar em caminhos improváveis.

Sem contar também (lição tardia que aprendi muito por conta do meu percurso, pra outros deve ser algo que está disponível desde o início) que existem muitas outras formas de institucionalidade além da universitária que são produtivas pra pesquisa e reflexão.


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