May 30, 2022

Hesitações sobre a vida acadêmica

Ontem eu li isso aqui e fiquei meio abalado: https://www.chronicle.com/article/the-big-quit?cid=gen_sign_in

Fiquei especificamente afetado por esse trecho (horrível se reconhecer, ainda que parcialmente, nessa imagem):

In her memoir-in-essays Grace Period (2017), Kelly J. Baker explains how her preoccupation with job applications over five years of adjunct work eroded her quality of life so profoundly that she gave up the search altogether. Like a recently divorced person, she recognizes that her relationship with academe was troubled from the start. I both adored and loathed my training,” she writes. It took me a long while to figure out that what I was compromising might be too much to bear.””

Outro dia vi alguém no twitter falando algo muito certeiro: há algo na vida acadêmica que faz com que as pessoas sintam que desistir desse caminho seja encarado sempre na chave do fracasso ou de uma derrota. Acho isso muito real (pode haver em outros campos, mas não todos).

É quase como se algo na própria estrutura de uma vida dedicada à pesquisa (e nas expectativas que ela traz junto) produzisse essa sensação (que também se reflete na disputa por ocupar espaços que na média nem são tão bons para os fins inicialmentr almejados mas que também atam.

Isso não significa que seja um espaço melhor que outros, que haja uma derrota real, que a pessoa seja culpada. Mas não consigo deixar de pensar que reconhecer a singularidade desses espaços que produzem esses sentimentos é importante para entender sua força atratora.

Isso significa reconhecer que há ai uma promessa que não é possível cumprir totalmente. Que no ideal de uma vida que se pode dedicar à pesquisa acaba exprimindo também um certo desejo que não tem lugar totalmente nesse mundo devido à forma como ele se organiza atualmente.

Não que uma vida da contemplação seja superior, acho que isso é confundir a superfície com a conquista real que há ali. O que vejo ali é uma promessa de uma espécie de liberdade (que acho que aparece na figura da estabilidade do pesquisador, mesmo que na prática seja ameaçada).

Essa promessa se constituiu historicamente, teve uma função importante no desenvolvimento das universidades de pesquisa e levou de fato a uma democratização desse tipo de modelo de vida (ainda que esteja longe de ser efetivamente democrática na escala que seria necessário).

Também não acho que é único espaço de liberdade. Acho que é um momento em que foi possível conciliar liberdade de desejos com a possibilidade de reproduzir uma vida social. Na prática sabemos que ficou aquém da liberdsde de desejo e da reprodução social, mas é um belo fracasso.

Por isso que acho significativo essa necessidade dos que não conseguem permanecer de enunciarem uma espécie de luto. Pois há de fato uma derrota, um fracasso, mas não ao nível dos indivíduos que ou não ganharam estabilidade ou que se decepcionaram com a vida acadêmica real.

É um fracasso coletivo na medida em que essa solução demonstra limites. O que não significa que enquanto fracasso ela vai parar de permitir às pessoas participarem desse tipo de vida, mas que sabemos que há limites estruturais dessa promessa que no momento são intrasponíveis.

Acho que reconhecer esses limites, entender a dor (e o ressentimento de quem sai e quem fica) é um passo importante para podermos continuar a construção de espaços que tentem honrar esses desejos (por mais louco e irreal que sejam, talvez isso nos force a abandonar ilusões).


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