March 18, 2021

As demandas de um pluralismo filosófico

Uma coisa que venho pensando bastante é como querer que certos campos ou tradições circulem mais com a exigência simultânea de que ao lidar com esses campos a pessoa seja quase um especialista neles, ou que tenha um domínio do que está em jogo ali.

Eu totalmente entendo a necessidade de que ao se deparar com um texto é importante conseguir dimensionar bem seu contexto e suas questões (ainda que de forma abreviada) para não apagar suas especificidades e transfomá-lo numa pasta genérica que serve pra tudo.

O problema é que muitas vezes é difícil ter a medida certa do quanto e como é que se consegue obter esse dimensionamento adequado. Daí que não são poucas vezes que essa exigência é transformada de modo rápido demais em uma demanda pela pessoa se informar sobre a bibliografia”.

Não que não seja interessante, e não seja necessário. Mas tem dois problemas aí. O primeiro é o mais simples, que é a questão da finitude do nosso tempo. É impossível que a gente consiga dar conta de tudo, de todas as bibliografias e também acabar pluralizando nossas ideias.

Por outro lado, acho que se a gente realmente aspira a um certo pluralismo de ideias então é importante também aceitar que as ideias vão circular para além dos seus contextos, que elas vão ser capazes de afetar quem vem de outros campos de forma diferente de quem é daquele campo.

Ou seja, não falo aqui de um afetar que vai reduz a coisa a uma pasta, mas que de fato há um sweet spot” em que a coisa consegue se autonomizar de seu campo de origem sem que ela se transforme numa pasta genérica e narcísica. E claro, encontrar esse ponto de cozimento é difícil.

Enfim, acho uma questão difícil, pois o mais comum (e que justifica em parte a irritação de quem tá envolvido na área de origem) é que quando um conceito ou autor sai de sua área ele tende a circular de forma empobrecida.

Por outro lado, também não parece ser possível ou desejável que todos se tornem especialistas em todos os campos. Não me parece que é isso que seja pluralizar nossas leituras e referências. Enfim, questões difíceis. Difícil viver na era da PAZ DISSENSUAL.

Ah sim, um adendo. Acho que isso vale também para o caso de criticarmos autores (embora isso talvez seja mais difícil). Acho que criticar coisas é sempre bem difícil, acho que é muito fácil entrar ressentimento que cega a parada e que fecha qualquer leituras possíveis.

Pois também é um pouco insuportável você ler um autor — mas imaginemos um mundo onde o ponto de cozimento foi alcançado —, encontrar problemas, querer comentar e vir a crítica de que você não conhece ele suficientemente”. Porra, o limite do conhecer suficientemente” é infinito.

E aí a gente fica nessa, criando também monumentos imperturbáveis que só reforçam a lógica de que ou você aceita ou não aceita aquele conjunto de ideias (que acaba se consolidando com doutrina). [claro, eu tou caricaturizando aqui]

E entendo, assim como no outro ponto, que tem gente que aproveita seus próprios moinhos pra cagar nos conceitos ou nos autores que curtimos, que lemos, que vivemos. Mas ainda assim não me parece que a solução mais sábia seja essa de simplesmente criar um bloqueio dessa ordem.

Agora como a maior parte das críticas eu acho que realmente tem esse ponto cego que mencionei (de não serem capazes de entender que os textos e conceitos podem ser recebidos de formas completamente diferentes da nossa perspectiva), dá pra entender quem se irrita com críticas.

De novo, uma situação muito complicada e que o caráter de crítica” acho que torna ainda mais difícil.


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