December 9, 2020

Uma tristeza e uma sensação de isolamento

Pensando na aula de hoje sobre Frank O’Hara, sobre amizade, trocas e me bate como me faz falta me comunicar e socializar de uma forma que nem achei que podia desaprender. Sinto que nas últimas semanas tenho perdido um tipo de tato e de dimensão que parece efeito de falta de uso.

Claro, aqui as coisas continuam normais, e tudo bem. Falo de outra coisa que eu nem achava que era real. Eu poderia culpar o cansaço e até a mim mesmo (e me culpo), mas acho que tem uma outra coisa que é uma dificuldade de sair de mim mesmo.

É como se as relações sociais (as atenções, os gestos, as trocas) estivessem (pra mim) se mecanizando, se tornando cada vez menos orgânicos ou mais artificiais. Como se algo faltasse e como se de um tempo pra cá eu não conseguisse mais navegar nas amizades sem provocar atrito.

E é algo difícil pois eu nem sequer consigo dimensionar direito se estou alienando algumas pessoas (pela minha falta de atenção, de carinho e cuidado — e eu vejo isso essa falta em alguns casos), se estou machucando outras por falta de tato e noção. Mas nem é isso que sinto pior.

Uma das questôes na filosofia antiga sobre o problema amizade é sempre como a amizade ao mesmo tempo é um gesto de liberdade, de autonomia, mas que traz consigo o fato de que um amigo usa o outro (a relação é útil, o que tinge a coisa, traz um meio para um fim” pra relação).

Acho que de alguma forma eles tocaram em algo fundamental (e talvez por isso inconveniente). A amizade tem valor na medida em que se transmite um certo bem, que ela faz bem para quem está envolvido ali. O problema é que isso desvalorizaria a amizade, reduziria a uma utilidade.

E acho que é inconveniente pois amigos estão aí para nos fazer bem, mas é como se a gente não quisesse isso pois isso também reduziria eles a uma posição que lhes retira de sua liberdade, que desvaloriza eles e, por conta disso, desvaloriza a amizade e o bel que recebemos deles.

É como se então em nossas amizades a gente tivesse que ficar circulando no entorno dessa relação de utilidade sem torná-la visível (por vergonha? Por ter que admitir coisas indesejadas) para não afetar e diminuir as próprias amizades, pra não atingir seu gesto gratuito e livre.

(Não me comprometo de maneira alguma com qualquer fidelidade a qualquer autor nessas descrições ou com qualquer precisão histórica, trata-se apenas de uma impressão/lembrança do problema)

Bem, eu acho que é fundamentalmente nesse sentido que as coisas (pra mim) tem desandado. É quase como se eu não conseguisse (ou não soubesse) mais fazer tão bem esse jogo de invisibilização do fundo secreto da amizade e elas acabassem sendo cada vez mais isso explicitamente.

A mecanização que sinto não é que seja algo que eu deseje, mas sinto que tem uma falta de tato que tá relacionada ao fato de que eu cada vez mais exijo que os ganhos do aspecto utilitário da amizade apareçam e sejam confirmados, como se por alguma razão não os visse mais.

Talvez pelas distâncias, por me faltar a possibilidade de trocar certos sinais e certos cuidados, de ter operações que não percebia que eram importantes e me davam segurança pra continuar essa dança que esconde o centro utilitário da amizade. Talvez por tudo isso eu não veja.

E claro que dramatizo um pouco, que não é assim em todas as minhas amizades. Mas me sinto cada vez mais que eu tou mecanizando, que tou tendo que pedir desculpas por trapalhadas que se antes não fazia agora eu faço. Que preciso marcar explicitamente coisas que não precisavam.

É como se o fato de que estou distante das pessoas tivesse me feito desaprender um pouco da confiança que é preciso ter pra essa coisa rodar. Uma confiança que permite que a relação utilitária se dê fora de cena. E é essa falta de confiança que me parece deixar perdido.

E bem, querer que isso tudo fique claro (mesmo que pelas melhores intenções, que por uma desconfiança gerada e mantida pelas distâncias impostas no momento) é também fortalecer o aspecto da amizade que só parece reafirmar a mim mesmo, que responde aos meus anseios primeiramente.

É essa sensação extremamente complicada que vejo afetando inúmeras amizades (umas mais e outras menos). E é muito chato, pois quando penso num certo desconforto que sinto parece que cada vez mais tem a ver com nem nas amizades conseguir sair direito de mim mesmo.

(E de novo, não é que esteja um inferno, um horror, mas tem uma mudança e uma que me deixa triste).

A giftcard_sad bateu numa tecla hoje que é a produção de um tipo de comunicação que se vê no O’Hara (e na New York School) que não tem a ver com identificação mas no reconhecimento (pelo que eu entendi é algo que em alguma medida te joga pra fora, te distancia de uma identidade).

O que sinto que me falta tem a ver com isso. Estar num certo deslocamento que eu sinto que só consigo procurar nos outros, nos amigos, um conforto para mim, um alento pra mim. Sinto que cada vez mais parasito as amizades pelo bem que as pessoas podem me dar em nome da amizade.

De novo, há muito drama na forma como a coisa foi expressa. Faltou conseguir calibrar melhor o tom. Na verdade o nível da coisa está mais para um desconforto inconveniente do que um fim do mundo (mas bem, sabemos como tristezaszinhas podem ser doloridas).


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