November 18, 2021

Uma obsolescência da ética na filosofia

Eu queria entender o meu interesse contínuo por ler textos de filosofia que lidam com problemas éticos apesar de eu não acreditar que a leitura desse tipo de texto ajuda no processo de construção de uma vida melhor. Não entendo mas me fascina demais qualquer obra sobre o bem”.

Eu até acho que a filosofia ajuda na construção de uma vida melhor, mas não acho que é o conteúdo das obras em si que indica um caminho a ser seguido. Minha posição é de certa forma platônica no sentido de que a pergunta pela boa vida opera certos deslocamentos epistêmicos.

Na arguição do concurso fizeram umas perguntas boas sobre esse tema. Um dos membros da banca perguntou (com razão, sobretudo considerando meu memorial) se eu não era um pouco nostálgico com relação à prática filosófica, como se fosse enfeitiçado demais com a ideia da boa vida.

É uma pergunta que faz sentido, ainda mais considerando o quanto gosto de filosofia antiga (mais gosto” do que estudo”) e também como a leitura de Hadot foi marcante pra mim. Ainda assim, acho que o meu problema talvez seja justamente o contrário, seja entender uma distância.

Na hora eu respondi outra coisa, mas pensando agora (pois eu não consigo pensar em outra coisa) eu diria que boa parte do meu esforço é uma tentativa de entender justamente esse desencontro entre o problema da boa vida enquanto pergunta e a construção de uma boa vida.

Me fascina justamente como apesar da filosofia ser uma tradição que se põe esse problema (em inúmeros momentos, de inúmeras formas), que as respostas para essa pergunta não são as resoluções desse problema. A vida boa não se constrói por meio de um domínio das razões para agir.

E isso acho que esse desencontro é intensificado na medida em que as condições de sociabilidade vão se tornando mais complexas (em que a forma de construir uma vida passa cada vez mais pela organização entre diferentes sujeitos).

E apesar de sistemas e estruturas belas serem desenhadas, não parece que o caminho para agir bem é é por meio de uma compreensão das formas de juízo prático, da elaboração das estruturas de decisão, da compreensão da nossa capacidade de agir (e das condições em que agimos).

Mas parece que mesmo sabendo que não é assim que alguém se torna uma boa pessoa, ainda assim parece em alguma medida que essa pergunta faz algum sentido para a boa vida. A resposta platônica talvez seja que essa pergunta conduz a uma reflexão que desloca a própria perspectiva.

Nesse sentido daria pra dizer que a pergunta (e o fato de você identificar a pesquisa”, a investigação” com a possibilidade de se tornar uma boa pessoa) é o caminho inicial para lidar com uma certa insatisfação com a sua própria forma de existir que começa a se deslocar.

Mas ainda acho isso uma resposta insatisfatória. Pra mim ainda não fica totalmente claro porque o problema da boa vida (por mais que ele seja hoje problemático) especificamente vai ajudar o sujeito a se transformar (mesmo que não seja pela resposta dos conteúdos).


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