Uma leitura bergsoniana da leitura
O Bergson fala umas coisas muito muito bonitas no Matéria e Memória sobre o funcionamento da percepção, de como boa parte do que vemos é em alguma medida recoberto pelo que já percebemos em outros momentos. Ele chega a dizer (se me lembro bem) que só uma pequena parcela é “novo”.
Eu não sei qual a validade científica disso, mas sempre lembro disso pra pensar o que fazemos quando lemos (qualquer coisa, mas como sempre estou falando de filosofia). É muito difícil ler sem interpor na leitura tudo o que já se leu. E isso pode ser feito de modo bom ou ruim.
O modo ruim tende a ser o que acontece na média. Não se lê, apenas se observa algumas palavras e se completa o texto com aquilo que já se sabe. Com o que já se absorveu de outros locais. No fim das contas a gente vai tendo uma relação imaginária com o texto.
É por isso que a única coisa que eu tento fazer quando eu leio textos de filosofia é “ler as palavras”. Isso não é fácil, inclusive acho que é algo até anti-intuitivo. Eu me vejo querendo pular as palavras (por preguiça, eu sou um preguiçoso). E muitas vezes de fato é só gordura.
Não acho também que isso é algo “neutro”. Nem acho que eu deixo de trazer junto outras coisas na hora em que “leio as palavras”. Mas acho que ao menos tem mais chances de outras coisas aparecerem quando se dá o trabalho de ler o maior número de palavras nos textos.
E essa chatice e atrito na leitura do texto (o fato de que preciso me forçar a isso, de que isso me deixa mais lento, de que muita coisa que leio não me serve) ao menos pra mim funciona como um critério de que não estou apenas na minha cabeça (pois nem tudo me serve).