May 17, 2022

Um estranhamento com Althusser

As vezes sinto que Althusser é pra mim um dos autores mais impenetráveis dos franceses. Não tanto pela sua forma de escrever ou seu jargão. Mas parece que não faço parte do mundo dele em alguma medida (ou ele não é do meu, o que me impede tratá-lo das formas habituais que faço).

O que é ainda muito esquisito, pois ele navega em terrenos muito familiares para mim, com problemas e questões que me parecem muito próximos e que deveriam me fazer sentir em casa. Mas não, quando leio ele sempre sinto que me falta uma peça pra compreender ele, pra fazer sentido.

A forma mais simples de descrever essa situação seria dizer que me escapa (sempre me escapou, isso é meu drama particular miserável) o que ele vive em política. Como se o que aparecesse aí fosse a minha (permanente) incapacidade de me sentir como engajado politicamente.

Ao mesmo tempo me parece que isso é um golpe de vista, já que não apenas essa ideia de engajamento é uma idealização tosca (ainda que do tipo que me deixa do lado de fora enquanto outros estão dentros”), como também me parece que perco a oportunidade de entender porque ela cola.

Assim, o que é escondido” quando digo que sinto que Althusser é de outro mundo é que algo nesse mundo” (mas qual?) me faz sentir como se estivesse sempre aquém de participar nele (como se eu estivesse fora, correndo atrás). Mas se isso for o caso, nunca estive em outro lugar.

Em alguma medida acho que ler Althusser” é algo que me obriga a me sentir constrangido, como se por um instante me fosse revelado de que certas distâncias até podem existir mas elas não implicam o que imaginava. Como se o que aparecesse ali fosse uma forma cômoda de me situar.

Cômoda pois no fim das contas enxergar as coisas por meio dessa distância acaba muitas vezes apagando desejos que não gostaria de ter (nem sempre, pois parte da ilusão me parece também nivelar tudo em uma passividade que adestra mais pela ilusão de se estar perpetuamente parado).

O que parece então estar escondido aí é de fato um desejo de estar à parte, nesse mundo alheio despolitizado. Um desejo que me impõe a ideia de que eu precise correr atrás para que eu de fato não precise me ocupar com o fato de que já estou aqui.

Parece uma forma bastante eficaz de satisfazer ao mesmo tempo o desejo de me implicar politicamente (pois estou indo atrás) e também de me desimplicar (já que desde o início me enquadro como estando de fora).

Mas de novo, acho que o constrangimento que Althusser me traz é justamente pela sua familiaridade, como se a leitura dele me forçasse a perceber que de alguma forma isso está ali, que esse esforço está presente criando uma distância que não quero ver pois vai contra mim mesmo.

O que talvez não seja outra forma de dizer que a leitura de Althusser bate em mim desse jeito por me pegar no pulo do gato entre dois desejos, revelando uma tentativa de solução que, porém, não assumo abertamente por não estar satisfeito com esse compromisso específico.

No fim é como se eu não entendesse o que ele fala por coincidir com seu ponto de vista. Assim como não posso me enxergar (“eu é um outro”), também não conseguiria ver quem ocupa a mesma posição que eu — e que portanto só pode aparecer de maneira estranhada em imagens refletidas.


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