January 18, 2019

A filosofia e o ridículo

Ontem passei boa parte da noite discutindo o caráter ridículo de certas atividades e hoje o Safatle faz essa coluna: https://t.co/tPKw9UQlCU

Que a disposição pra fazer filosofia seja meio ridícula não tem problema. Afinal, o Aristóteles põe a coisa muito bem no sentido de que o caminho para a virtude passa por uma certa repetição farsesca, meio fake it till you make it”.

O problema me parece ser quando se passa por cima desse elemento de hesitação. Em que se acredita (ou se engaja) nessa atividade sem que se ponha em questão os limites e as ineficácias de um discurso que se pretende - historicamente - fundador de instâncias sociais e políticas.

O reprimível é o gesto que abraça essa prática como se a sua posição estivesse dada e a sua função já tenha sido justificada (por quem? Pela historia?). Isso me parece antes uma espécie de paixão pela figura do filósofo (e suas pretensões). A atividade filosófica como narcisismo.

A prática filosófica não precisa de redenção para ser eficaz. O que ela precisa é que se incorpore esse elemento de farsa e de ridículo na sua atividade. É uma forma, talvez pouco sutil, de tentar pensar antídotos ao narcisismo e ao ego que circundam na história dessa prática.

Nesse ponto eu ainda acho que preciso articular melhor as coisas, mas me parece que o caminho passa por aí. E pra isso Pierre Hadot me parece fundamental. Por isso post tem me ajudado muito a pensar essas questões: https://t.co/4kNYtU17Ht

O estranhamento de si e da própria prática me parece fundamental nesse processo. O que está em jogo não é confirmar as imagens que se tem de si. Isso, como falei, passa pela paixão que se tem da imagem de si, seja como filósofo, revolucionário ou poeta.

O que me parece produtivo, interessante, é que esse estranhamento e não naturalização da prática acabem por fazer com que ela se metamorfoseie segundo as circunstâncias e exigências que efetivamente se impõem. Não se procura respeitar limites previamente definidos.

Se a filosofia é uma atividade que procura desenvolver conceitos para navegação, a paixão pela figura do filósofo, ainda que atraente (ao menos para mim), é no fim das contas um jogo que só reafirma estereótipos sem se pôr em crise. E sem se pôr em crise só se repete clichês.

Esse é o problema dos filósofos que o Safatle menciona, que ele aborda. São pessoas apaixonadas pelo que representa se perguntar pelo bem, pelo belo, pelo ser. Daí circularem eternamente nessas questões da forma mais pretensamente imediata, como se os tornasse mais nobres.

O inverso se vê na academia. Enquanto aqueles veneram de perto, estes veneram de modo oblíquo de longe. Transformando os filósofos da tradição em vacas sagradas. Cada peido tem um valor insuperável e a única tarefa digna é pssar o resto da vida entendendo o conceito de cogito”.


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A dimensão material do conceito Basicamente a minha tese foi uma tentativa fracassada de dar conta (tentar descrever, elaborar) a dimensão material do conceito. A tese foi um