May 30, 2021

Sobre uma enésima forma de crueldade acadêmica

Uma coisa que sempre me parece um sinal da falta de senso de realidade’ da academia com a situação é quando tem processos seletivos de bolsa e se pergunta se a pessoa teria interesse em participar do projeto sem bolsa. Como responder a esse tipo de pergunta de modo honesto?

Óbvio que você pode querer, mas sem remuneração da realmente pra esperar que haja uma dedicação como na participação com bolsa? Não é uma seleção apenas pra entrar no projeto, mas pra ter bolsa. Mesmo quando tem interesse é natural que seja diferente a participação.

Por outro lado, o foda é que parece que ao pôr essa pergunta (“você participaria mesmo se não tivesse bolsa?”), mesmo que não seja a intenção, você acaba pressionando a pessoa, deixando ela preocupada de ser mau vista se for honesta e dizer que depende da bolsa.

Mesmo que as pessoas que vão ler aqueles formulários digam não vamos julgar com base nisso, é apenas para saber quem quer participar do projeto mesmo assim”, ao pôr a pergunta assim (e já vi em mil seleções) fica parecendo que só existe uma resposta possível.

A quantidade de trabalho não-pago que estudantes e pesquisadores precarizados [graduandos e pós-graduandos, bolsias ou não] fazem já é brutal. Agora botar a coisa nesses termos é cruel demais. E ainda põe o pesquisador numa posição de exposição e fragilidade tremenda.

É por coisas assim que eu fico meio puto e irritado com certos discursos meritocráticos que circulam na academia. E como muitos colegas comentam, quando se tenta fazer corres ligados ao mundo da pesquisa mas sem a chancela da universidade não deixa de surgir olhares hostis.


Previous post
Diatribe contra o molecular e a micropolítica Como estou de mau humor (pelo que tenho que fazer hoje) aqui vai uma coisa que me incomoda: o apelo excessivo ao ponto de vista ‘molecular’ ou à
Next post
Duas demandas para obras literárias A obra de arte literária perfeita para mim (PARA MIM) atende os desejos conflitantes de. Por um lado, quero algo que no consumo me dê um