September 13, 2022

Reflexões sobre a política platônica a partir de Ober

Aos poucos conseguindo situar cada vez melhor o conversadorismo político” aristotélico na medida em que leio o Ober. Por outro lado, talvez dê pra definir o projeto platônico na República como: participação no governo não é (ainda) igualdade radical”.

Hipóteses bastante provisórias que tem mais a ver com eu estar ainda me situando e me sentindo a vontade para refletir sobre algumas intuições que ainda não consigo justificar do que elaborações sistematizadas e bem ancoradas.

Um adendo, que preciso sustentar com mais calma: mas suspeito que parte das dificuldades em ver no argumento platônico uma posição antidemocrática chapada (em alguns leitores liberais) é a dificuldade de ver que exteriormente” uma sociedade justa e uma autoritária são parecidas.

Isso é uma adaptação do argumento de O Sofista” que diz que é difícil distinguir o saber da sofística pois essa diferença só pode ser compreendida interiormente (por meio das conexões e ordenações que efetivamente se constrói ao pensar e que não são transmissíveis diretamente).

Assim, sinto que um esforço político orientado por uma ideia do bom corre o risco de ser tomado exteriormente (entre os não envolvidos) como autoritário por evitar tomar como critério para a ação política a opinião de cada um”, que seria o ponto de vista democrático.

A partir disso acho que talvez dê para redescrever a crítica platônica à democracia. O desejo de combater a tirania (que aparenta ser igual a uma sociedade justa) leva a uma solução que age apenas no nível das aparências ao instituir um regime que todos participam.

A questão é que esse regime não é de fato igualitário na prática. Trata-se de uma sociedade em que essa igualdade continua sendo limitada por elementos externos (riqueza, poder, retórica) ainda que em sua forma institucional promova uma aparência de igualitária.

A fonte desse erro estaria na discussão inicial da República sobre como justificar uma sociedade justa. Se você identifica a justiça como ausência de injustiça, você se mantém num nível que está preocupado apenas em negar uma forma. E assim tudo se torna um perigo em potencial.

Essa necessidade de evitar perigos faz com que os arranjos organizativos se ocupem sobretudo de evitar ser confundida” com uma tirania. Dessa forma, fica-se no âmbito das aparências sem que necessariamente as relações sociais reais se tornem justas.

Somente quando se procura justificar a justiça positivamente, é que se pode realmente explorar o que é a justiça sem se deixar dominar por uma lei do menos pior”.

Não é a toa que Sócrates vai insistir que devemos ser justos mesmo quando aparentamos ser justos. O que está em jogo aqui é uma aposta que não quer se submeter a construir uma mera imagem de justiça sem uma igualdade radical real.


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Uma impressão sobre uma singularidade da obra platônica Pensando nesse texto pois refletindo sobre como Platão me libertou de um desejo de fazer filosofia como uma operação que se organiza a partir de uma