April 22, 2021

Problemas na recepção do conceito de perspectivismo ameríndio

texto de Viveiros de Castrotexto de Viveiros de Castro

Eu gostei desse trecho pois acho que uma das coisas que sempre me incomodou *na recepção* desse conceito de multinaturalismo’ é a maneira afobada com que se procura simplesmente aplicá-lo ou transportá-lo (ou mesmo o perspectivismo) para além da sua situação original.

Nessas horas a metáfora foucaultiana da caixa de ferramenta” mais atrapalha do que ajuda, já que a gente acaba se perguntando pouco sobre quais são as continuidades ontológicas que permitem que o conceito ainda possa ser útil fora de seus contextos.

Acho que em vez de sair aplicando o conceito por vários campos, talvez possa ser mais interessante tentar justamente entender qual é ou se há um elemento comum que torne o perspectivismo/multinaturalismo um conceito que ajuda a gente a lidar com outras situações.

Pois o próprio conceito, da forma que eu entendo, ele mesmo parte desse esforço de tentar lidar com situações e expectativas conceituais aparentemente conflitantes (do material etnográfico — embora eu esteja afastado desses temas faz anos) mas que não deixavam de ser reais.

É como se o conceito permitisse estabilizar no nível do pensamento (ou re-estabilizar) uma pluralidade ao identificar uma continuidade entre as práticas, as formas de socialização entre humanos e também com não-humanos em um certo contexto descrito pelo VdC no trecho.

O que eu gostei desse trecho, e que me chamou atenção pra esse problema, é que apontar para o caráter mononaturalista da empresa colonial é justamente o terreno em que talvez seja possível encontrar a métrica” que permita entender de forma não doutrinária certas distâncias.

Eu sinto que lidar com esses conceitos de forma não-doutrinária (não é questão de multinaturalismo vs mononaturalismo), mas sim como tentativa de ir dando conta de situações conflitantes que parecem ter algo em comum, e cujo objetivo é traçar essa continuidade é um caminho.

Pode ser uma forma de evitar essa afobação de querer simplesmente transportar de modo ideologizado um conceito para outros campos. Ideologizado pois ao ser transferido para além de seu solo etnográfico, é muito fácil a coisa perder lastro e se tornar pensamento mágico.

Falo isso tudo pois eu acho que essa ideia de multinaturalismo foi uma das primeiras coisas que *bateu* em mim na minha formação. Meu mestrado em parte lidou muito mal com isso, mas com o tempo tenho percebido que parte do problema é que justamente eu mesmo estava ideologizando.

Nesse trecho acho que de alguma forma aclarou qual era o problema e qual era parte da minha dificuldade (e parte da minha resistência à maneira como o conceito tem sido mobilizado, apesar do trabalho excepcional do Viveiros de Castro)


Previous post
O acúmulo de panoramas superficiais da história da filosofia Uma coisa que me ajudou na minha graduação é que antes de eu pedir transferência pra filosofia eu ficava lendo qualquer manual de filosofia
Next post
O pensamento não é o que pensamos dele? Infelizmente (pois significa que talvez tenha que ler e ver que tou errado) eu acho que estou me aproximando involuntariamente de duas