May 23, 2021

Os rumos históricos da filosofia no Brasil

Discussão começada a partir de uma postagem de Liam Bright

Essa análise é muito boa (sempre bom ler o Liam para acompanhar um ponto de vista honesto de dentro da metrópole). Fico pensando, no final, no diagnóstico do Paulo Arantes sobre o fato da filosofia aqui no Brasil ter caminhado pra história da filosofia ser algo positivo.

Ele aponta para o aspecto contingente da disciplina que pode-se abrir a partir do ponto de vista do historiador (se eu entendi adequadamente). E concordo, acho que tem algo muito bom nisso (deus sabe que estudar mal e porcamente a história institucional da disciplina me ajudou).

Ainda assim, do jeito que a coisa se desenvolveu no Brasil com a cultura de especialistas, parece que o aspecto libertador do olhar para a história da filosofia (que nos livraria dos modismos) deu ruim. Tentei abordar isso em um texto, mas não desenvolvi bem esse ponto.

É engraçado. Pra mim, o fato da filosofia analítica não ter conseguido penetrar direito no Brasil (e mesmo a filosofia continental, que tem mais força) é um sinal de sucesso. Significa que de alguma forma não se é refém das modas (claro, tem aspectos negativos que vem junto).

Claro, seria bom se o que acontecesse não fosse uma série de feudos compartimentalizados a partir do autor que se domina (para uma lista atualizada dos feudos basta ver os GTs que compõem a ANPOF e olhar quem pertence nos GTs grandes).

O resultado acho que acaba sendo uma espécie de experiência meio asfixiante em que parece que sequer temos um objeto enquanto comunidade acadêmica. Fica parecendo que se o caminho é ser especialista em um filósofo então não tem muita graça estudar filosofia.

E acho que em alguma medida qualquer projeto coletivo de distribuição desses saberes tá bloqueado de um lado pela ausência de ensino no colégio e por outro das pretensões eruditas serem infiltradas/cooptadas por colonialismos/racismos/etc.

No fim das contas também acho que as perspectivas não são boas (e aqui não temos a compensação dos departamentos de filosofia terem mais alunos — embora de fato, sente-se mais interesse). Se há como salvar a filosofia ou se deve-se salva-la é uma questão que deve-se colocar.

A minha posição sobre esse ponto vai ser elaborada num curso que vou oferecer pelo Instituto de Outros Estudos em breve (e que postei a ementa aqui já) mas que se tudo der certo eu consigo transformar em um livrinho que não encontrará casa de publicação.

Eu estou gostando do caminho que está indo, acho que tem uma hipótese razoável para a situação (embora talvez o final acabe ficando otimista demais e não represente uma saída coletiva pros impasses que vou ter reconstruído): link para ementa do curso

O que eu posso dizer é que tem duas coisas que tem me animado recentemente e que acho que talvez podem servir de escape para a atividade — embora não como um deslocamento da disciplina como um todo e sim como pontos de fuga difusos ao longo de todo o campo.

O primeiro é o trabalho coletivo. Isso é algo difícil no contexto de formação atual (sinto que a formação em filosofia no Brasil é muito tributária à imagem do gênio solitário” [atribuam os predicados que vocês devem imaginar]), mas acho que ajuda os envolvidos sairem de si.

Não acho nem que esse trabalho em conjunto precise resultar em textos à quatro/seis mãos (embora seja bom). Mas só trabalhar para criar um campo de inteligibilidade para além da sua não só vai fazer você suar como acaba criando laços entre os envolvidos, um campo comum.

O outro ponto que acho que é algo que motiva é conseguir lastrear os problemas filosóficos que se depara com as condições de seu surgimento. Isso significa se implicar na atividade enquanto alguém que está jogado no mundo (e nos problemas do mundo).

É fácil esse segundo ponto se tornar algo teórico demais. A forma que tenho feito pra lidar com isso recentemente é tentar verificar nas situações e nos problemas que tenho engajado quem é que está puxando ou articulando o caminho que tou seguindo: o problema ou eu mesmo?

Isso é difícil pois o que acho que tá em jogo aqui é você ir de uma situação em que você pensa as referências para uma em que os referentes te obrigam a tomar certos caminhos. E eles te obrigam dependendo dos corres que cê tá envolvido.

No meu caso o que posso falar é que em vez de procurar problemas filosóficos clássicos eu tenho cada vez mais sentido que certos problemas materiais estão me forçando a me pôr questões que jamais pus antes (e aí torna-se mais fácil avaliar as referências que valem o tempo).


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