October 14, 2019

O procedimento socrático da Contrapoints

O pensamento conservador e liberal brasileiro é na maior parte das vezes apenas um simulacro de pensamento. Isso é uma obviedade, a gente sabe, a gente vê. O problema é que esse tipo de simulacro não se combate simplesmente com informação.

Eu queria ver a @ContraPoints fazer um vídeo sobre o fetiche do saber, pois acho que é ainda muito pouco explorado os elementos estéticos (no duplo sentido de estética) e afetivos desse desejo por saber. Eu me sinto muito perdido e muito incapaz de lidar com isso..

Isso não é resposta, mas se mencionei a Contrapoints é porque vejo nela uma tentativa de superar performativamente esse problema. E é uma superação que é muito socrática. O que acontece nos vídeos não é transmissão de dogma, mas uma navegação compartilhada pelo não-saber.

Um dos méritos do Sócrates é se forçar a passar junto com seus interlocutores pela situação de desespero, horror e anestesia que é se deparar com uma aporia, com os limites do seu conhecimento. Ele precisa passar por isso junto ao interlocutor para que seja possível avançar.

Esse gesto acaba sendo uma forma de dividir a tensão que há em se deparar com os seus limites. Se certamente não garante nada, ao menos a situação se torna um pouco menos insuportável. É um gesto semelhante que vejo na Contrapoints ao pôr em dúvida seus próprios juízos.

E isso não sou eu apenas especulando, tem inümeros relatos de que essa honestidade” (performada, mas nem por isso menos real) é um elemento sedutor. Se a erudição convence pela ilusão de domínio (mas com juros), o socratismo prometendo bem menos alivia a tensão pagando à vista.

Os juros da erudição são as infindáveis mostras de que à despeito da impressão, há muito que não se sabe. Não adianta ler todos os clássicos, ainda haverá sempre coisas que aparecerão pra perfurar essa ilusão, gerando ou uma frustração ou um recrudescimento cada vez maior.

Se a promessa socrática tem um custo imediato maior, ela cobra esse preço apenas uma vez. Pois a cada vez que nos deparamos com nossos limites, aquele custo que pagamos lá no início retorna não como uma ameaça, mas como um tipo de reconhecimento (essa é a virtude do Sócrates).

De novo, a Contrapoints parece realizar isso ao botar na roda justamente ideias e valores que a constituem enquanto pessoa. E, acredito, é justamente por estar disposta a pôr coisas importantes em xeque e se pondo a examinar o que a princípio seria contrário a ela.


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