October 9, 2021

Dois tipos de texto de filosofia

Tem dois tipos de texto da filosofia que amo de paixão (e odeio eles por sentir que se não me policiar acabo fazendo eles, como em parte foi a minha tese). O primeiro tem a ver com a arbitrariedade das referências, o segundo é uma certa imagem do que é uma ideia” em filosofia.

Já reclamei muito do primeiro. É basicamente como eu vejo minha tese. Uma confusão entre montar uma imagem coerente a partir de um conjunto de referências” e conseguir efetivamente traçar um problema real por meio das referências. Tem uma diferença de vetores que torna difícil.

No primeiro caso, que acho que é o que faço/fiz, se confunde um conjunto de referências se conectar, montar uma história, conseguir ter uma coerência entre os textos” com aquilo efetivamente dar a dimensão de um problema. Trata-se de uma imagem que pode ter valor, mas engana.

Eu acho que é uma diferença bem sutil e que nem sempre consigo identificar na prática, pois são coisas que se parecem — como uma espécie de um simulacro” de uma descrição de um problema, que externamente é extremamente parecido com ele tornando difícil a diferenciação.

E quando digo que é meio arbitrário, é que se as referências usadas fossem outras, a imagem que se constrói se modificaria sem muito atrito (pois o que está em jogo é apenas organizar os encontros bibliográficos arbitrários que se tem).

Não que eu ache que diferentes textos não alteram o que se escreve, mas acho que se a coisa está tão fluida isso não é bom sinal. Ou ao menos pra mim indica que não tem realmente um problema ou uma questão que funciona de centro gravitacional que quer ser explicitado.

Então eu acho que esse texto é algo que me incomoda, mas ao mesmo tempo é algo que é muito fácil de apontar diretamente os problemas justamente pela sua capacidade de se camuflar (de fato tem algo meio sofístico — pensando no problema levantado na primeira metade de O Sofista).

O segundo texto que me incomoda, e que pode estar junto do primeiro, é um que acredita que uma ideia” em filosofia é a junção de dois campos conceituais distintos. E é claro que isso tem tração pois de fato muito da filosofia se faz justamente na interação entre gramáticas.

O problema é que nem sempre essa mistura de conceitos de diferentes campos tem realmente alguma liga fora a junção externa que o autor faz. Acho que o fracasso da minha dissertação (ao menos de sua intenção) é um exemplo particularmente visível dessa tentativa.

E de novo, é algo que é muito fácil enganar”, pois também a boa filosofia tem algo de misturar diferentes linguagens, de fazer interagir assuntos e conceitos que não estarão ligados de antemão. Mas assim como no primeiro caso, o problema é quando a coisa é feita de capricho.

E aí fica-se com a impressão de que basta juntar dois universos conceituais distintos” que externamente parecem afins” para fazer filosofia. Como se uma ideia” em filosofia fosse uma espécie de crossover de filmes da marvel.

E nem acho que isso é feito de modo consciente. Pelo contrário, é uma coisa que me parece inconsciente e invisível a quem escreve (eu que talvez me incomode demais e quando vejo um textos desses — ou coisas minhas — só consigo pensar: mas isso é aribtrário demais!!!).

Acho que em parte por isso também que uma das questões que tem surgido pra mim tem sido justamente o que é o lastro de uma referência. Substituir uma referência que seja meramente uma função bibliográfica por algo que de fato constranja a pesquisa em determinadas direções.

E claro, a dificuldade (e o desafio) é que não existe uma referência que apareça de modo imediato”. Na maior parte das vezes ela de fato vai aparecer no contato com textos, com bibliografia. O difícil então é conseguir distinguir entre esses usos diferentes dos textos.


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