April 28, 2022

A disciplina no estudo

Acho a disciplina do estudo uma coisa bonita sobretudo naqueles dias que você simplesmente não consegue e não quer se concentrar. Claro que tem momentos em que realmente vale mais a pena descansar ou fazer outras coisas ou mesmo se distrair de maneira dispersa.

Quando não existem boas razões para você desviar. Sua mente procurando sarna pra coçar e não encontrando nada que te permita fechar o livro e fazer outra coisa. Eu acho que a força da disciplina entra nesse momento como algo que te libera ao não te exigir investimento.

É como se um hábito consolidado, uma submissão a algo além da sua vontade te torna mais livre para não precisar estar amando o que se faz (algo que de vez em quando é bom, pois em outros momentos voltaremos a amar aquilo — e muitas vezes em momentos propiciados pela disciplina).

Nessas horas, ao superar temporariamente todo esse impulso de desvio, acho que aquilo que se precisa fazer, que se precisa estudar, anotar, prestar atenção, acaba aparecendo de uma forma mais transparente. Como se a falta de vontade de estar ali te fizesse prestar mais atenção.

A disciplina parece produzir um momento difícil de suportar mas que te ajuda a de alguma maneira (pelo puro tédio?) a entrar naquilo que você precisa fazer sem o peso de ter que encontrar ali a expectativa que você deposita tanto em suas paixões.

Claro que isso não é algo confortável, gostoso, cômodo. Parece mais um estado em que estamos ligeiramente desconfortáveis (pois você precisa forçar” permanecer ali). Ainda assim acho que nessas horas a operação de pesquisa ao menos se torna calma e serena.

E é quase como se a ausência de qualquer engajamento mais forte (não queremos estar ali) acabasse nos obrigando a atravessar a superfície dos nossos objetos com ainda mais sensibilidade e abertura (desejando encontrar alguma razão para querer continuar ali).

E significa que vamos encontrar alguma catarse nesse processo? Que essa busca por alguma justificativa para permanecer ali vai se concretizar e se tornar visível? Acho que dificilmente. No mais das vezes acho que apenas saímos com uma sensação cansada” de quem sabe que fez algo.

E sei que talvez isso não seja algo que atraia todos. Mas acho que para mim existe um prazer enorme em ler textos, atravessá-los sem também que grandes descobertas revolucionárias tenham acontecido. Apenas uma leitura plácida, algumas marcações indicadoras ou notas nas páginas.

se eu tivesse fôlego (e erudição, pois sinto que tem algumas coisas que não domino e que deveria investigar) eu diria que existe um esforço poético nessa atividade no sentido de que há um trabalho de produção de algo que se externa de nós nessa operação.

essa disciplina seria o que nos permitiria ter uma relação que nos tira de nós mesmos em alguns momentos (de todas as nossas pressões, expectativas, frustrações) por meio de uma concentração numa atividade curiosamente sem qualquer investimento (pois justamente, não queremos).

E no fim das contas isso eu acho que é uma das virtudes da disciplina. Ela nos torna abertos a ter uma relação com as coisas que não seja pelo envolvimento, pela paixão (algo que é fundamental para simplesmente conseguir seguir existindo e fazendo coisas).

Mas não me parece ser só no campo desse desinvestido’ que a disciplina parece operar. Ela também parece ser aquilo que permite fazermos justamente aquelas coisas que queremos mas que muitas vezes mesmo querendo não conseguimos dar cabo.

Eu acho que isso acontece pois justamente aquelas coisas que queremos nem sempre queremos todas (ou em todos os detalhes). Não tem um desejo que surja que não traga junto com ele também alguma dose de preguiça ou resistência (os compromissos necessários para levá-lo até o fim).

Assim, a disciplina me parece ser aquilo que dá capacidade de aguentar esses vazios de vontade” inevitáveis que existem mesmo dentro daquelas coisas que desejamos com toda a nossa força. Mas não só, pois como falei, acho que a disciplina também tem uma forma de abrir o mundo.

É quase como se essas zonas de tédio” acabassem também sendo a oportunidade de levar os nossos desejos para pontos em que não levaríamos normalmente. Mas isso só podemos saber quando de fato somos confrontado com esses vazios.


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