December 8, 2019

Um comentário sobre o Homem Sério Sensual

O homem sensual sério” é talvez um dos conceitos mais importantes para uma futura ética antipredicativa. Não que ele exista. Ele talvez seja apenas um tipo que se aspira. Entre outras características tenho pensado como ele preza pelo humilde (cf. Auerbach).

Pois se ele seduz, e procura sempre seduzir, trata-se, como diz a @giftcard_sad, de uma sedução que se apaga para fazer o outro brilhar. Mas é preciso precisar esse ponto ao compará-lo com sua antítese: o que chamo, provisoriamente: de homem sensual narcísico (HSN).

Enquanto o HSN seduz para si próprio, para atrair os olhos para si mesmo (para se construir a partir do olhar de outrem) - e nisso ele consegue ser bem eficaz -, o HSS quer seduzir o outro. O que dominaria o HSN seria, então, uma espécie de desejo de se perpetuar meio vampiresco.

O eros mobilizada pelo HSS teria, portanto, um vetor oposto ao do HSN. É por isso que talvez não seja um apagamento, mas um movimento de se deixar tomar por outro, de ficar misturado com um outro enquanto o próprio outro acaba por se tornar algo a partir do contato com o sedutor.

Mas é justamente por esse ato de generosidade (pela inversão do vetor da experiência erótica presente no HSS) que nenhum espaço ou distância seduz o HSS mais do que a autêntica vergonha (shamefastness) - que em parte é elaborada pela Anne Carson.

A vergonha, no caso, não é de ordem contingente, é aquela vergonha que, por falta de termo melhor, eu chamaria de existencial. É banal, claro, simples, e discreta. Mas justamente por isso acaba sendo absolutamente antisedutora. A exposição e o aparecer são evitados à todo custo.

O feitiço que o HSS sofre é, portanto, pela sua incapacidade de navegar na esfera de uma vergonha que efetivamente não quer aparecer. Se em qualquer outro tipo de vergonha ele consegue pescar uma novelty qualquer, o envergonhado o embairrera de todas as formas.

Produz-se, então, um charme que talvez seja capaz de atrair àqueles que tomam como missão primária a sedução séria do outro (ou seja, o HSS). Esse charme, que é um anti-charme, acaba sendo uma recusa de seduzir que funciona como o maior tipo de sedução que o HSS pode enfrentar.

Como? Pois justamente é a sua própria disposição mais íntima, a de alguém que procura se aparecer junto do outro, que é negada. O homem sério sensual é obrigado a dar se conta de si mesmo e da natureza da sua própria sedução. É ele, dessa vez, que se vê espelhado e em destaque.


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