September 7, 2021

Sobre algumas projeções otimistas com o futuro da filosofia institucional

Lembrei desse texto que escrevi semana passada pois tou agora pensando como as duas alternativas mais persistentes parecem ser falsas-alternativas. A primeira é a crença de que uma vez que a esquerda (Lula) volte ao poder mil concursos vão se abrir (resolvendo o déficit atual).

O primeiro problema é que não seria suficiente para dar conta do déficit (ainda preciso fazer as contas na ponta do lápis, mas duvido muito que tenha mais de 20 vagas pra filosofia por ano enquanto se doutoram uns 150 por ano em média (pelo banco de teses da capes).

Isso para não entrar no mérito de uma certa ilusão coletiva que ignorar que essa crise na academia é mundial (todo o sistema acadêmico de humanas nas grandes metrópoles passa por situações parecidas: inclusive meu sonho era ter a precarização dos adjuncts pra chamar de minha).

A outra alternativa também me parece uma cilada pois apenas reproduz o sistema de competitividade do mercado que tem ajudado a deslegitimar a >academia<. Virar uma estrela da internet pode até ser a solução de alguns, mas certamente não é para todos (o problema se mantém).

Então me parece ruim esses dois horizontes que se apresentam: tanto o sonho de que os concursos voltam (que as vezes pessoas mais estabilizadas [not all academics] jogam de isca pra nós pra continuar produzindo nos seus termos), tanto o sonho de estourar” e sobrevoar a crise.

O que fazer diante dessa situação me parece um enorme desafio pois acho que precisa de alguma forma contemplar o todo (bem, eu pelo menos acredito que qualquer saída deve contemplar o todo e não apenas alguns com mérito [para passar nas poucas vagas ou para surfar nas mídias]).

Realmente nesse ponto eu fico bem travado e nervoso pois o horizonte mais provável (se seguimos na mesma marcha) é um desaparecimento desse campo profissional (e do desejo que faz as pessoas permanecerem nele apesar de tudo).

E o desaparecimento não deixa de ser a situação trágica que vivemos agora. As pessoas tendo que trabalhar em mil outras coisas paralelas (as sortudas conseguem continuar trabalhando na área”, mas sempre de forma insatisfatória e em regimes trabalhistas extremamente precários).

Isso não é um problema em si, já que isso nunca impediu as pessoas de fazerem bons trabalhos. O problema é que as expectativas do campo acadêmico permanecem nas alturas (as expectativas gestadas de um momento que havia efetivamente recursos como nunca antes na história?).

Isso só causa frustração pois >dificilmente< vai conduzir a um emprego. Existe algo aqui que não diz respeito aos que tão de fora”, então acho que nem vale comentar (cabe os estabilizados entenderem suas situações, analisarem o que tem à disposição para lidar com a situação).

No que diz respeito aos que estão na margem desse mercado, suspeito que é preciso de alguma forma reconfigurar o que se entende por formação, organizá-la para outros fins, mobilizar essas habilidades cultivadas em direções que não sejam para alimentar a academia. Fácil falar.

Ainda assim eu realmente não consigo ver outra alternativa (já que existe um limite para o quanto se pode disputar o mercado” da internet — ainda mais com eventuais peixes-grandes estabelecidos botando cada vez mais os pés nessa piscininha de plástico que é a filosofia).

O que significa mobilizar essas habilidades para outros fins talvez seja mais uma aposta do que qualquer outra coisa (e uma aposta que pode dar muito errado). É um utopismo insano, mas acho que envolveria ter uma cultura que parasitasse essa estrutura de formação que já existe.

E por isso talvez eu começo a patinar aqui (já tava patinando antes, mas agora tou derrapando bem mais rápido), pois acho que só de uma forma coletiva é que se poderia aguentar a barra que é se descolar das exigências da formação tradicional para apostar em algo diferente.

Na minha cabeça eu tenho pensado em coisas que são ligadas com educação, mas acho isso ainda muito sonhador (ainda mais quando se pensa nos recursos materiais que aparecem na hora de levantar e tocar certos projetos — algo que tenho aprendido recentemente).

Acho que também é se manter preso em uma realidade que talvez não exista mais. Difícil também imaginar em que outros espaços essas habilidades poderiam vingar (mas isso não se faz nem sozinho nem apenas na cabeça, mas experimentando com oturas pessoas), com que outros trabalhos.

Acho que qualquer caminho vai obrigar se abrir mão de algum elemento da auto-imagem de quem vai pra filosofia acaba comprando (mesmo involuntariamente), seja sua relação com o trabalho intelectual, seja a posição autoritária” que o discurso filosófico acaba vendendo.

Qualquer direção a se tomar me parece que a coisa vai ser bem complicada. Mas gostaria de acreditar (por amor ao campo? a prática?) que talvez não seja preciso abrir mão de tudo (desde que a gente consiga de alguma forma reorientar/reinventar o sentido dessa prática).

A única coisa que eu enfatizaria aqui é que eu acho que não faz mais sentido seguir as regras do jogo. As promessas que legitimavam você ter uma certa formação não fazem mais sentido. Afinal, sem vaga (e cada vez menos gente entrando) pra quem vai se dirigir essa produção?

Isso não quer dizer que não se deve ter rigor, disciplina e o escambau, mas talvez isso possa ser dirigido para outras coisas. Enfim, essa thread não deixa de ser também um grande cascudo que eu estou dando em mim mesmo por ter tentado manter os pé em duas canoas.


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