February 20, 2023

Sobre o hábito de abandonar boas leituras

Engraçado se intensificar um desejo obsessivo de tentando esticar meus interesses lateralmente bem no momento que sinto que uma concentração vertical está me fazendo avançar como não fazia há algum tempo.

Eu tenho um hábito terrível de abandonar/interromper leituras que estão de alguma forma sendo fortes demais”. Coisas que estou amando, que definitivamente vão me deixar marcas, mas que de alguma forma acabo largando por estar amando demais (como se ficasse com medo do efeito).

Engraçado esse impulso. Acho que por isso que acabei virando platonista (ou me encontrando nesse espaço): ao mesmo tempo um temor imenso pelo sol que permite tudo ver (e que de fato queima, dificulta olhar) e uma necessidade de aprender com aqueles que se educam com verdades.

February 18, 2023

O abandono da filosofia institucionalizada

Acho fascinante a história de pessoas inteligentes, sofisticadas, capazes de fazer contribuições incríveis (muitas vezes já fizeram) que se afastam ou abandonam a vida acadêmica do campo da filosofia.

Tem gente que faz com mais intensidade (rupturas fortes, visíveis, dramáticas), tem gente que vai simplesmente fading away”. Mas em ambos os casos eu saio com a sensação que esses gestos tocam em uma verdade sobre como a filosofia se organiza institucionalmente hoje em dia.

Em alguns momentos eu diria que tenho uma inveja disso (já que me vejo numa posição limiar extremamente constrangedora). Em outros momentos sinto que se alguém botasse na minha frente uma oportunidade de fincar o pé firme na academia eu acabaria aceitando sem hesitar.

Sinto que existe uma certa liberdade que me é permitido por não estar totalmente conjugado no modo de vida operante da vida acadêmica. E até acho que tenho tentado assumir isso mais nos últimos tempos. Mas não sei dizer se — a essa altura — conseguiria (ou quereria) ir embora.

O que é, como disse, uma posição constrangedora. Não no sentido de algo que eu sinta vergonha, mas no sentido de que meus passos tendem a ser limitados, já que evito ao máximo participar dos rituais da disciplina quando eles não me interessam (odeio a vida de eventos, por ex).

Como eu não participo desses rituais, como eu raramente jogo o jogo (e acho que isso não é nenhuma superioridade minha, só algo que eu simplesmente não tenho saco/disposição), eu também acabo me perguntando inclusive o quanto gostaria desse tipo de vida (do que se implica dela).

January 29, 2023

Reflexões sobre a institucionalidade da filosofia a partir do ponto de vista da periferia

Esse texto é muito bom. Essa hipótese do sincretismo (e o valor de posteridade associado ao que se sintetiza) realmente me fez pensar sobre nosso momento. Agora continuo achando (suspeitando) que de fato a filosofia feita aqui segue outra direção (não necessariamente melhor/pior)

Eu realmente sinto que o mundo anglófono da filosofia é outro planeta. E claro, tenho amigos que estão inseridos ali e converso, como também leio aqui e ali as leituras anglófonas da filosofia continental. Mas ainda que haja esse contato ainda parecem disciplinas diferentes.

Por outro lado não dá pra dizer que existe uma filosofia nacional” como um espaço em que se consome, se reflete e se dialoga (em parte) as mesmas referências. Parece que aqui, salvo a história da filosofia como coluna vertebral do ensino, é tudo uma grande dispersão em nichos.

Por outro lado, diria que nunca me senti tão à parte na institucionalidade filosófica como nos últimos anos (que coincidentemente tem sido o momento em que passei a participar do STP). Então em certa medida não é como se eu vislumbrasse alguma perspectiva de um espaço comum.

Li esse texto citado no post e ainda que tenha algumas discordâncias (achar demais que a grama é mais verde do outro lado e a suposta solução de simplesmente filosofar”) ele faz um diagnóstico interessante (ainda que diferente daqui também): https://medium.com/@screedwriter/continental-crust-8b1a3f4a254a

Eu pretendia em algum momento escrever um pequeno livro sobre esse tema, a partir de um curso que dei, mas acabei desistindo. Ainda assim, algumas das posições se encontram prefiguradas nesse texto (que realmente acho que tem seu valor): https://www.academia.edu/42167879/Fazer_filosofia_nos_tr%C3%B3picos_uma_quest%C3%A3o_de_vergonha

January 24, 2023

Hipóteses sobre a forma romanesca

[bolando hipóteses sobre a história da forma do romance]

Não é grande coisa (uma trivialidade acho), mas acho que quando o romanesco” saiu do espaço dos gêneros” codificados (ou começou a se enganar sobre conseguir evitar isso quando não evita), construiu-se um beco sem saída para o próximo passo (já que toda mudança é original”).

Não existe uma nova fase do romanesco (uma evolução) enquanto o paradigma da singularidade/originalidade for dominante, já que o romance se torna de certa forma livre. Agora, o próximo passo nesse campo talvez não possa ser algo formal, mas talvez precise envolver outra coisa.

A hipótese (besta) é: as transformações na forma são em alguma medida avaliadas pelas transformações em gênero (elas e sua disseminação) permitem avaliar os passos dessa história, que tipo mudanças e novidades ocorrem nesse campo.

Isso significa que escrever um romance seria (como a gente sabe que era) dominar uma certa arte (uma certa técnica, uma capacidade de aderir/reproduzir o gênero. Ou seja, há um saber, algo a se aprender. Quando o gênero começa a se desfazer por dentro, a coisa muda de figura.

O romanesco deixa de ser um conjunto de repertórios que é variado e passa a ser um campo mais livre (aqui de alguma forma estou importando mal a narrativa do Sérgio Ferro, mas acho que se sustenta heuristicamente), em que cada um é livre para reconstruir o gênero como for.

Nesse momento o escritor 1) não está mais atado/sobredeterminado a um conjunto de códigos/perspectivas/procedimentos (o que demanda um saber-fazer) e 2) cada romance é a oportunidade de uma nova invenção do dispositivo romance (César Aira me parece um caso limite).

Se isso for o caso, então qualquer tipo de experimentação tem como contrapartida da liberdade desse momento (poder levar o dispositivo romanesco à graus de experimentação inédito) tem como custo que nenhuma dessas experimentações pode constituir uma fase, uma etapa da história.

E o que fazer diante desse beco (para quem considera um beco)? Eu sinto que tem algo a ver com a experimentação institucional (o que significa que talvez signifique que uma democratização desse tipo de experiência seja algo mais da ordem do dia do que a enésima experimentação).

January 10, 2023

Sérgio Ferro e o ponto de vista da cozinha

Uma ideia para um projeto de pesquisa que não vou ter forças de levar a cabo: O ponto de vista da cozinha — uma análise do deslocamento da perspectiva crítica nas análises estéticas de Sérgio Ferro”.

Pra mim existe ali um deslocamento fundamental da análise crítica, de um esforço hermenêutico para uma análise que na falta de palavra melhor (culpa dos heideggerianos) seria poética”. O objetivo seria tentar entender o que seria isso no campo da literatura romanesca.

A cozinha é uma referência a um capítulo do Artes Plásticas e Trabalho Livre” em que se discute o âmbito de discussão privilegiada entre pintores. Não tanto sobre obras, mas sobre como fizeram certas obras. A cozinha é o âmbito em que a coisa é feita (daí ser uma poética”).

Estou totalmente ENCASQUETADO com a ideia de que tem algo a se fazer aí que é distinto da tradição do mapeamento cognitivo” (Jameson, Schwarz, por ex). Daí parte do trabalho inicial desse projeto seria separar o Ferro desse tipo de análise.

Digo que tou encasquetado pois eu confesso que ainda não sei o que é exatamente esse objeto que estou tentando circunscrever. Mas enfim, é algo que gostaria de aos poucos ir tentando organizar, sistematizar com calma.

January 9, 2023

Um relato sobre a experiência da leitura

Como vocês lêem romances [ou narrativas ficcionais]? Eu tenho uma questão muito grande com isso pois de certa forma eu tenho uma capacidade imaginativa muito baixa (eu até consigo formar imagens, mas preciso me concentrar para isso e sempre em baixa resolução/detalhe).

De certa forma aparecem algumas imagens aqui e ali (sobretudo quando tem passagens muito descritivas). Mas na maior parte do tempo sinto que o que ocorre é uma espécie de voz (que também não é a simples leitura do texto) que transmite um algo e que me faz sentir sentimentos.

É algo meio esquisito quando penso, pois vou retendo traços dos personagens (mas nunca traços visuais, raramente, salvo quando são MUITO enfatizados, mas pouco importa, pois não é assim que lembro deles). Consigo lembrar feitos e ações, pensamentos e sentimentos, mas não imagens.

E por outro lado, como falei, não acho que essa voz vai simplesmente lendo o texto na minha cabeça (quando vou ler o texto na cabeça é outra operação, que ocorre com menos frequência, ou com determinadas passagens que preciso pausar para apreciar).

O sentido” que aparece para mim é algo inferior a uma imagem (não chega a formar imagens, não constrói cenas) mas acima da linguagem (pois não é a mera repetição do texto). É como se de alguma maneira um misto de eventos, hábitos, temas e problemas fosse ocupando minha mente.


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