July 7, 2022

Literatura contemporânea e antropologia

A presença de antropólogos no campo da literatura (pensando no Itamar Vieira Jr., mas também na Aparecida Vilaça e no Pedro Cesarino), mesmo que em formas híbridas, me parece mais um sinal do pólo atrator que as letras literárias” tem sobre o pensamento social brasileiro.

Tenho pensado muito nisso pois eu acho que existe uma ideia muito consolidada que em um país tão fraturado e socialmente disforme como o Brasil (com fraturas internas e externas), o ~literário (seja via o narrativo ou o ensaístico) acaba sendo uma forma de navegar nesse espaço.

É sintomático, portanto, que após duas décadas em que o pensamento antropológico mais contemporâneo tem dominado a cena nacional (ou tem ao menos aparecido com cada vez mais força como um campo inescapável), ele também acabe sendo literaturizado”.

Eu tenho a impressão que isso diz muito sobre o funcionamento da esfera pública nacional, sobre como se imagina no país a política (sobretudo entre as elites intelectuais, que não precisam ser elites econômicas) e também como se imagina que se lida com essas fraturas.

Eu não sei se consigo achar isso algo bom. Quer dizer, boa literatura, bom cinema, tudo isso é muito bom. Mas eu confesso que eu tenho ficado cada vez mais suspeito da crença de que há uma passagem simples da arte para o político tal como parece.

Eu também tenho ficado cada vez mais desconfiado da capacidade de 1) a arte conseguir mapear cognitivamente essa fratura, 2) ser a representação realmente um dos efeitos mais potentes da arte e 3) seus achados serem mobilizáveis politicamente por grupos (seja quais forem).

Isso não é uma crítica às obras em si, mas a leitura de Sérgio Ferro tem me feito pensar que arte tem mais a ver com fazer do que com propriamente representação. Inclusive a sua história parece ser uma espécie de libertação da função representativa (uma ideia trivial).

Eu acho que tem uma aposta meio problemática aí, já que mesmo quando boas obras sejam produzidas, me parece que elas são boas à despeito de qualquer eficácia política. O que não significa que o artístico não tenha lugar, mas talvez ele não precise ser diretamente político.

O que eu tenho pensado (e acho que é um dos esforços que estou engajado junto ao subconjunto de práticas teóricas”) é que o caminho talvez esteja já no interior do campo político, das experimentações (e suas posteriores expressões, balanços, saldos) que ocorrem ali.

É claro que nesse aspecto essa expressividade” pode de alguma forma tomar emprestado coisas do campo artístico (desde inspirações, procedimentos, fórmulas, etc), mas acho que quando funciona à coisa é feita ainda mantendo uma homogenidade” com o político, com o experimento.

É por isso que eu ainda mantenho apreço por algumas formas expressivas” que parecem de fato tomar bastante emprestado” das artes: desde as ficções etnográficas, às análises de conjuntura dramatizadas até os casos clínicos da psicanálise romanceados. A coisa pra mim vai por aí.

Essa thread é um fruto de conversas com @rftflppps e @TiagoGuidi1. Cenas do próximo capítulo EM BREVE [não tão breve].

Justiça seja feita, estou bastante impactado também pela leitura do manifesto” fundador da Revista Clima (de 1941) e também pensando — em geral — na maneira como essas figuras acabam representando um certo modelo do intelectual literário que me parece vingar um pouco no Brasil


Previous post
A importância da matemática no ensino básico Lendo o livro da Cheng e confirmando ainda mais minha impressão de que colégio deveria ser consagrado à matemática, escrita, ginástica e projetos
Next post
A dificuldade de levar projetos de pesquisa adiante Nada como a alegria de começar a conectar os pontos de um novo projeto, começar a dar os primeiros passos sem saber ainda exatamente a forma que ele