Alguns comentários sobre Machado de Assis
Eu acho que mais grave da leitura do Machado é o colapso da diferença entre o leitor e o personagem. Por isso gosto da ideia do Paralaxe. Você não consegue ver coisas dependendo do ponto de vista que você ocupa. Do ponto de vista do leitor a história aparece como criação formal.
Do ponto de vista dos personagens os eventos são todos reais, morais. Mais do que a simples confiabilidade do narrador (e confesso, acho esse tema terrivelmente desinteressante), o que tá sendo ignorado é essa variação dos pontos de vista que ocorrem o tempo inteiro.
A obra enquanto algo interessante se produz justamente nessa transição. Acho que por isso o Costa Lima, com razão, insiste na centralidade do problema da mimesis. Não se trata de uma adequação ao real, mas do que acontece com o real quando você leva e não leva a sério a obra.
Tou simplificando e distorce do o LCL, mas quando digo levar a sério estou dizendo, ler como se aquilo que estivesse sendo narrado tem um certo lastro no real (que não precisa ser sempre da mesma forma, como Auerbach demonstra em seu Mimesis). Ou seja, é e não é real.
Quando você colapsa essa distinção e insere tudo no mesmo plano, há dois riscos: Se colapsa para o lado da criação você pode esvaziar a obra de qualquer implicação real. Se tudo é apenas discurso, aquilo não faz a menor diferença na sua vida pois nada está em jogo.
Se você faz como o colega e colapsa para o outro lado, você ignora o caráter complexo da realidade e não é capaz de perceber que a construção formal, as escolhas, os procedimentos selecionam aspectos da realidade que serão postos em destaque.*
*precisaria desenvolver mais isso.