June 20, 2022

A banal atividade de ler textos filosóficos

Ler textos de filosofia é muitas vezes uma operação entediante, cansativa e que não raro acaba demorando para produzir em nós alguma consciência de que aquilo tem algum sentido, de que nos levará para algum lugar. Acho que isso é especialmente o caso em obras sistemáticas.

É como se a cada texto você precisasse aceitar que nem sempre é garantido que você vai pensar” ou ter suas ideias transformadas” de uma hora para outra (e nem sempre se quer isso). E nem é um tédio da banalidade que predomina, diria, mas da incompreensão, da ininteligibilidade.

Você vai lendo palavrinhas, frases, parágrafos que dizem respeito a discussões que não conhece e não domina (e nunca dominará completamente, apesar dos impulsos historiográficos da disciplina). Ainda assim algum valor aparece nas leituras, alguma coisa se obtém nesse processo.

Acho que a disciplina que ela produz (não em todos os textos, mas diria que em alguns que são considerados importantes) diz respeito a uma certa capacidade de olhar mesmo quando se está com os olhos cansados. É-se forçado a tentar articular o impenetrável que se lê.

Não se trata, óbvio, de uma capacidade que uma vez obtida funciona para sempre. É quase como se cada texto tivesse sua forma específica de nos obrigar a olhar de outra forma, a ver as minúcias e de juntar as peças. Talvez por isso seja uma operação viciante quando se empolga.

Eu digo isso pois é normal estar lendo e achar aquilo cansativo, sem sentido, chato. Normal mesmo. Acho que estudar filosofia é um pouco como ficar olhando para uma parede branca por muitas horas e em algum momento começar a diferenciar as manchas, as texturas, as cores ali.

O que não significa que não seja divertido, que não seja uma coisa que faça a gente ver as coisas de outra forma. Acho que ajuda sim, mas nem sempre isso é um efeito do que é dito no texto de maneira direta. Não é que vamos sair do Kant e ver o sujeito transcendental por aí.

Eu acho que isso pra mim é um dos grandes mistérios da filosofia. É como se a gente precisasse dos conceitos e das construções elaboradas, mas não fosse exatamente elas em si que nos interessa ali (embora sem elas não haveria nada).

Não se vai simplesmente pegar o cogito cartesiano” ou o absoluto hegeliano” e identificar processos ou experiências no mundo que seriam afins (e mesmo que fosse, o que fazer com isso?). Mas também não parece ser possível fazer filosofia sem elaborações desse tipo.

É como se esse esforço de organizar as coisas nos permitisse aos poucos ir reorganizando a forma como experimentamos as coisas, como se a gente pudesse dar uns nomes para uns processos e umas coisas que nem sempre conseguimos entender direito e que vão acabar formando uma vista.

E isso acho que é difícil. Acho que o processo tedioso e chato da filosofia em sua absorção” se relaciona intimamente com essa capacidade de reorganizar”, ainda que eu não saiba exatamente como fazer essa conexão (conexão que sempre foi pra mim uma das grandes questões).


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